1608 | II Série A - Número 048 | 12 de Junho de 2000
Ao fazer depender a concessão de visto de trabalho de uma contratação prévia, a lei favorece a desregulamentação laboral e coloca o trabalhador imigrante na mão da entidade empregadora. O trabalhador imigrante, quando, na contratação, não tem contacto directo com o potencial empregador, fica mais vulnerável a ser enganado por engajadores ou a ser explorado pelo empregador, que não precisa de ser claro no vínculo que estabelece. Por outro lado, à luz do Decreto-Lei n.º 244/98, o imigrante só entra legalmente no país quando o empregador quiser, e só permanece legalmente no país enquanto interessar ao empregador mantê-lo, já que "o visto de trabalho apenas permite ao seu titular exercer a actividade profissional que justificou a sua concessão".
A precarização da situação laboral e o poder da entidade patronal acentua-se ainda mais quando o imigrante não consegue a renovação do visto e deixa de estar legal. Nessa altura, passa a constituir a mão-de-obra preferencial, pois mais facilmente poderão ser chantageados com base na ameaça de uma possível expulsão. Os inúmeros casos de denúncia de trabalhadores ilegais por parte de empreiteiros, que levam à sua detenção pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, muitas vezes poucos dias antes da conclusão da obra, embora nem sempre resultem na sua expulsão acabam por aumentar o medo e sentimento de fragilidade do cidadão imigrante. Até porque, quando a expulsão realmente se efectiva, acabam por não receber nada do que têm direito pelo trabalho efectuado. São expulsões que servem os interesses de grandes empreiteiros que aproveitam a situação de clandestinidade do trabalhador para o explorar e furtar-se ao pagamento das remunerações devidas.
A promoção do trabalho precário subjacente à política de imigração que tem sido levada a cabo é clara quando a concessão de vistos a trabalhadores sazonais é facilitada, mas o estatuto jurídico desses imigrantes é assumido essencialmente em função da sazonalidade do interesse de uma das partes da relação jurídica a estabelecer - o da entidade patronal -, tal como se pode depreender da leitura da definição legal utilizada no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 244/98. Ao facilitar-se a concessão de vistos de trabalho para a realização de actividades sazonais em detrimento de outros vistos de trabalho e, principalmente, da autorização de residência, está a atribuir-se ao trabalhador imigrante um estatuto jurídico e laboral particularmente frágil, tornando-se praticamente impossível a defesa dos seus direitos e o acesso ao reagrupamento familiar, à habitação, à saúde e à educação, direitos estes constitucionalmente reconhecidos. Não é assim de surpreender que o atentado aos direitos humanos dos trabalhadores imigrantes tenha passado a constituir uma rotina no quadro da realidade social e laboral portuguesa.
Para além de contribuir para o desrespeito dos direitos do imigrante e a exploração do seu trabalho, esta lei acaba por fomentar a imigração ilegal. Grande parte dos fluxos migratórios a que, neste momento, se assiste, devem-se a situações de miséria extrema, de guerra e até de catástrofes naturais, pelo que não é crível que o cidadão estrangeiro que tem a possibilidade de sair do país, queira - ou possa - voltar para continuar a viver as mesmas dificuldades. Muitos imigrantes preferem sobreviver arriscando na clandestinidade, a voltar para o desespero onde nem sabem se sobreviveriam.
Por outro lado, a lei que regulamenta o trabalho de estrangeiros é claramente discriminatória e atentatória do princípio da igualdade, mesmo relativamente aos estrangeiros e apátridas (artigos 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa) pois cria regras diferenciadas para o trabalhador estrangeiro, colocando-o em desvantagem relativamente ao nacional. Embora supostamente tenha sido criada para salvaguardar os direitos dos trabalhadores imigrantes, acabou por ter o efeito inverso, pois não permite que estes tenham acesso às garantias laborais que os restantes trabalhadores assalariados têm, nomeadamente as salvaguardadas na Lei Geral do Trabalho.
3 - Desrespeito por direitos fundamentais do cidadão estrangeiro
Um outro problema importante é a violação dos direitos do cidadão estrangeiro que começa, desde logo, nos aeroportos e postos de fronteiras, sendo público o tratamento degradante a que muitos cidadãos estrangeiros são sujeitos. O artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 244/98 não salvaguarda, de forma clara, os direitos do cidadão não admitido e, apesar de este decreto-lei prever o direito a recorrer e a ser assistido por advogado (se suportar os respectivos encargos), são poucos os cidadãos que terão condições de obter assistência jurídica.
Os direitos do cidadão estrangeiro não estão claramente salvaguardados, não só na decisão de recusa de entrada mas também no processo de expulsão, regulamentado pelos artigos 99.º e 118.º, verificando-se inclusive processos de expulsões colectivas, que violam o artigo 22.º da Convenção Internacional sobre os Direitos de todos os Trabalhadores e dos Membros das suas Famílias, ratificada em Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18 de Dezembro de 1990.
Por outro lado, o recurso interposto da recusa de entrada não tem efeito suspensivo, o que implica que quando o cidadão estrangeiro for notificado da decisão, mesmo que favorável, muito provavelmente já não se encontra em Portugal, mas sim no país de origem. Esta lacuna da legislação é particularmente grave no caso de candidatos ao direito a asilo, cujo regresso ao país de origem pode colocar a sua vida em perigo.
No que se refere ao direito ao reagrupamento familiar, não estão contempladas as situações de união de facto, conforme previsto na Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos dos Imigrantes e Membros das suas Famílias. É uma lacuna que faz inviabilizar grande parte dos pedidos que chegam aos Serviços de Estrangeiro e Fronteiras, já que grande parte dos casais imigrantes vivem em união de facto, por questões socioculturais, como é o caso de grande parte dos estrangeiros originários da África e da Ásia.
No que diz respeito à pena acessória de expulsão, esta revela-se inconstitucional e discriminatória, já que o cidadão imigrante é duplamente punido - pelo crime cometido e por ser estrangeiro, o que contraria os artigos 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, contraria o espírito subjacente a uma perspectiva de reintegração social do recluso patente nas medidas privativas de liberdade, ao expulsar-se o cidadão estrangeiro do país onde, muitas vezes, se encontram a sua família e outros elementos fundamentais na sua reintegração. A aplicação desta pena acessória é ainda mais gravosa, também para a sua família, nas situações em que o imigrante tenha filhos menores de nacionalidade portuguesa, constituindo uma "violação conjugada dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição", segundo a Recomendação n.º 40/B/99 do Procurador Geral da República.
4 - A urgência de uma nova política de imigração
Portugal tem tido a porta fechada aos imigrantes, colocando-lhes quase como única opção a entrada na clandesti