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0074 | II Série A - Número 004 | 30 de Setembro de 2000

 

novas potencialidades e se procura conhecer os limites pessoais em todos os domínios. É a fase mais vulnerável às dinâmicas de mudança, sujeitando os jovens a pressões enormes.
Os adolescentes e jovens portugueses defrontam hoje quatro grandes áreas em que se expressam os factores e comportamentos de risco que exigem uma resposta adequada por parte dos poderes públicos e da sociedade: distúrbios alimentares, mortalidade por causas externas, consumo de álcool, tabaco e outras substâncias e problemas de saúde mental.
1 - São quatro as grandes áreas em que se expressam os factores e comportamentos de risco
Segundo opinião avalizada, "fenómenos recentes, como o poder de intervenção dos media na comunidade, as novas tecnologias, a urbanização progressiva, os movimentos migratórios, o turismo, a modificação do estatuto feminino, a alteração da estrutura e dos papéis familiares, a democratização do ensino, o aumento do tempo de escolaridade, os novos caminhos profissionais, etc., têm tornado as sociedades mais abertas e mais plásticas. Os adolescentes e os jovens constituem, porventura, um dos grupos etários mais sensíveis a esta dinâmica social (...)" - Vasco Prazeres, Saúde dos adolescentes, princípios orientadores, Direcção-Geral de Saúde, 1998.
Os fenómenos que traduzem a mudança são comummente sintetizados nos termos seguintes:
- Enquanto a idade média da puberdade diminui ou se encontra estabilizada, fruto da melhoria das condições de vida e da alimentação, o acesso ao estatuto de adulto e a integração plena no sector produtivo dão-se em idades cada vez mais avançadas.
- Nas sociedades industrializadas o progresso tecnológico determina índices crescentes de especialização - a escolaridade prolonga-se, a competitividade aumenta, em particular na procura do primeiro emprego.
- Nas últimas décadas a constituição das famílias é mais tardia, tem uma dimensão mais restrita e os papéis dos seus elementos modificaram-se. Os filhos aparecem mais tarde e são em número mais reduzido, assim como aumenta o número de famílias monoparentais e reconstruídas.
- A organização social e económica actual estimula e facilita o acesso a práticas e a consumos que, antes, eram pertença exclusiva dos adultos;
- A população envelhece e, em simultâneo, o investimento da sociedade em cada adolescente é mais elevado.
- Os adolescentes, enquanto grupo, ganharam protagonismo social e, individualmente, adquiriram estatuto de cidadania na sociedade contemporânea.
Algumas das características do actual modelo de desenvolvimento económico e social traduzem-se num grande apelo ao consumo, que se assume como o principal factor de produção, na internacionalização dos mercados da informação e do conhecimento e na elevada competitividade.
Nos países mais desenvolvidos consome-se muito para além das necessidades e o consumo assume muitas vezes contornos de integração social. A organização social e económica actual estimula e facilita o acesso a práticas e a consumos aos jovens que, antes, eram pertença exclusiva dos adultos.
Os adolescentes e os jovens têm na Internet e na comunicação social portas abertas à informação e ao conhecimento. Os seus comportamentos, atitudes, as modas e os factores de integração social vão-se uniformizando internacionalmente. Ao mesmo tempo que o conhecimento é cada vez maior, também o apelo a novos consumos e factores de risco aumenta.
Estas faixas etárias estão sujeitas a uma pressão que outras gerações não conheceram. Desde logo há uma intensa pressão por parte da sociedade e das famílias para o sucesso. O jovem é confrontado com uma enorme competitividade: na procura de emprego (especialmente do primeiro emprego, para o qual não concorre experiência profissional alguma), no acesso ao ensino superior... A frustração que muitas vezes daí resulta atinge igualmente níveis impressionantes: porque a média não foi suficiente para o curso que se queria, porque não se queria estudar mais, porque o emprego não é aquele com que sempre se sonhou, porque o ordenado não chega ... e os projectos de vida vão sendo adiados ou completamente alterados, tornando-se por vezes impossível definir um projecto de vida.
Todos estes factores têm enorme influência sobre este grupo etário. O testemunho de alguns especialistas nestas áreas é muita elucidativo:

a) Distúrbios alimentares:
Segundo Isabel do Carmo - Prevalência de anorexia nervosa em adolescentes do sexo feminino dos distritos de Lisboa e Setúbal -, "Portugal está numa situação económico-social de transição, com marcadores económico-sociais também de transição e é muito permeável à influência cultural que vem dos países mais industrializados, sobretudo através dos meios de comunicação. No que diz respeito às perturbações do comportamento alimentar, está a caminhar para uma posição idêntica à dos países mais industrializados. Desde que se fizeram os primeiros estudos de prevalência da anorexia nervosa no mundo, há quase 30 anos, a rapidez e o acesso aos meios de comunicação tem evoluído de forma acelerada e os números parecem mostrar, aqui como noutros países, que esse é um factor uniformizador e homogeneizante".
Sublinha ainda a autora: "o isolamento geográfico, político e cultural vivido durante muitas décadas pode ter protegido a população portuguesa de doenças ligadas à cultura, como acontece não só em relação aos hábitos alimentares mas também em relação às perturbações do comportamento alimentar."
Fernando Baptista - Prevalência de distúrbios do comportamento alimentar numa população feminina universitária - alerta: "a prevalência de distúrbios alimentares tem sido relacionada com factores culturais. Nas sociedades ocidentais desenvolvidas o excesso de peso não é tolerado pelas mulheres, principalmente as de classes sociais mais favorecidas. Por outro lado, em países em vias de desenvolvimento o excesso de peso é menos estigmatizante ou até desejável. Portugal encontra-se numa fase intermédia entre estes dois níveis de desenvolvimento".
Outros autores citados referem o declínio da satisfação corporal durante a adolescência com a auto-estima e o excesso de dietas.
Segundo Paulo Machado - Avaliação da prevalência de perturbações do comportamento alimentar em estudantes universitárias, Universidade do Minho, 1999 - , "a realidade entre nós não é diferente e confirma mais uma vez que a insatisfação corporal pode reflectir a influência dos padrões culturais ocidentais que cada vez mais associam a beleza feminina a uma imagem corporal excessivamente magra".
Laurinda Queirós - Monografia, auto-imagem quanto à aparência física na população feminina em idade escolar, Outubro de 1999, Universidade Nova de Lisboa - identifica a adolescência como uma fase crucial no desenvolvimento da auto-imagem quanto à aparência física. "A pressão psicológica a que se sentem sujeitos pode levá-los a comportamentos dirigidos a alterar a aparência física. Iniciam dietas para emagrecer (...), o jejum, a toma de laxantes e de comprimidos para emagrecer, os vómitos provocados. Algumas destas práticas podem evoluir para doenças do comportamento alimentar." E continua: "As atitudes culturais parecem ter um importante papel no desenvolvimento e expressão destas doenças. Nas sociedades de abundância, marcadas pela competitividade e pela importância simbólica da magreza, estas doenças seriam mais frequentes. Vários estudos têm documentado a mudança das dimensões ideais do corpo feminino, nos últimos 30 anos, como forma de mostrar a crescente pressão para um corpo magro. Têm sido estudadas revistas de modas e as medidas dos modelos e rainhas de beleza, vídeos e imagens do cinema para mostrar a tendência para a diminuição das dimensões do corpo feminino".
b) Mortalidade por causas externas:
São causas externas de mortalidade as que englobam os acidentes, os suicídios, os homicídios e outras violências. Em Portugal constituem 50% das causas de morte da adolescência e juventude.
Segundo Vasco Prazeres - Saúde dos adolescentes, princípios orientadores, Direcção-Geral de Saúde, 1998 - "as transformações sociais têm determinado a importância crescente dos problemas de saúde ligados aos estilos de vida, às perturbações do ambiente e à utilização inadequada de novas tecnologias. É exemplo disso o facto de os acidentes rodoviários constituírem a principal causa de morte neste grupo etário".
Segundo dados do Conselho do Europa, as taxas de suicídio aumentaram de forma assustadora, constituindo a segunda causa de morte de jovens em países como a França, a Áustria, a Suíça, a Dinamarca e a Finlândia. A evolução deste indicador em Portugal é objecto de discussão entre especialistas e merece a máxima preocupação.
A este respeito diz Daniel Sampaio (em A cinza do tempo, Editorial Caminho, Lisboa, 1997): "Ao contrário do que por vezes é dito, as taxas de suicídio têm diminuído em Portugal nos últimos anos, graças, sobretudo, à melhoria dos serviços de atendimento e ao esforço dos técnicos que lá trabalham. O problema do suicídio mantém-se grave, sobretudo no Alentejo, onde as grandes dificuldades sócio-económicas da região agravam os problemas dos indivíduos com depressão. Temos, assim, cada vez mais, de considerar o suicídio a sul do Tejo como uma prioridade em saúde pública e definir estratégias para minorar o problema."
O mesmo autor - Vozes e ruídos - Diálogos com Adolescentes, Editorial Caminho, 1993 - deixa-nos outro alerta muito importante: "A comunidade não pode continuar a pensar que este é um problema dos técnicos. O psiquiatra é chamado já numa fase adiantada de muitas situações e a ele chegam pessoas com pouca consciência da doença ou fraca motivação. É, por isso, necessário um esforço de esclarecimento, que tire a psiquiatria do lugar hermético onde tantos vezes se coloca, para a fazer descer à terra, à vida de todos nós."
c) Consumo de álcool, tabaco e outras substâncias:
O aumento do consumo de álcool e tabaco entre adolescentes e jovens e o começo em idades cada vez mais jovens é igualmente alarmante. A forma como se consome e porque se consome merece atenção especial.
Segundo Vasco Prazeres - Saúde dos adolescentes, princípios orientadores, Direcção-Geral de Saúde, 1998 -, "o consumo regular e/ou imoderado de tabaco, para além de perturbar a fisiologia respiratória e o crescimento, pode interferir no rendimento escolar e no rendimento desportivo. O desenvolvimento de doenças respiratórias, cardiovasculares e mesmo de cancro são consequências deste tipo de consumo (... ). O consumo imoderado de álcool está ligado, com frequência, a condutas violentas, a lesões acidentais e a relações sexuais desprotegidas, com a possibilidade de surgirem gravidezes não desejadas e/ou doenças de transmissão sexual. Alguns autores designam este tipo de fenómenos por circuitos de risco (...) A maioria dos consumos nocivos que acontecem no seio dos grupos juvenis surge raramente como actividade solitária".
As novas modas procuram a rápida conquista de estados de espírito que permitam descomprimir e esquecer e surgem associados a novas formas de consumo e a novos consumos. Os shots e as novas drogas sintéticas são disso mesmo exemplo (ecstasy, serenity, ... ), sendo que a totalidade dos efeitos destas últimas são ainda desconhecidos.
Nos últimos anos - Relatório anual sobre a evolução do fenómeno da droga na União Europeia, 1999 - "tanto as drogas como a música associada à dança deram entrada na generalidade das discotecas e o consumo de álcool começa a aumentar. O carácter lucrativo do mercado da música e dança parece ter levado a indústria do álcool a patrocinar, publicitar e promover bebidas alcoólicas destinadas especificamente a este mercado, chegando a utilizar imagens ligadas à droga nas suas estratégias".
Luís Borges - Luís Borges e colaboradores, in Revista da sociedade portuguesa de alcoologia, volume 2, n.º 1, Coimbra, 1993 - denuncia: "Portugal continua a ocupar um lugar primordial no consumo e produção, assim como nos efeitos nocivos. Tem a mais elevada taxa de mortalidade por cirrose hepática, constituindo esta doença um importante indicador. 6% da população sofre de graves problemas de saúde relacionados com a ingestão excessiva de álcool."
Teresa Antunes - Maria Teresa Calvário Antunes, Os Jovens e o consumo de bebidas alcoólicas, Revista Referência, n.º 1, de 1998 -, referindo-se igualmente aos efeitos nocivos deste consumo, alerta para a diminuição das "capacidades de aprendizagem, podendo mesmo haver quebra das capacidades cognitivas". Para além disso, "o álcool