0111 | II Série A - Número 005 | 10 de Maio de 2002
dos «maus» trabalhadores imigrantes, em função do país de origem. O próprio processo de legalização já reflectiu esta lógica, visto que mais de 60% das legalizações corresponderam a imigrantes oriundos dos países de leste que constituíam, assumidamente, mão-de-obra preferencial para os patrões. Por isso, há que salvaguardar na legislação que as políticas que venham a ser assumidas daqui em diante não sejam assentes na discriminação dos imigrantes em função dos países de origem e que sejam justas e claras no que se refere aos mecanismos de gestão de fluxos migratórios.
Um mecanismo legislativo que pode resultar na discriminação de imigrantes por países de origem e no reforço do poder do patronato e das redes de tráfico sobre os trabalhadores imigrantes está definido pelo n.º 1 do artigo 43.º (parecer favorável) que faz depender a concessão de visto de «requerimento fundamentado apresentado pela entidade empregadora», donde se depreende que o recrutamento do imigrante no estrangeiro é da responsabilidade da própria entidade, podendo fazê-lo inclusive através das agências de trabalho que muitas vezes não são mais do que instrumentos das redes de tráfico de seres humano. Acresce que não existem mecanismos sérios, da responsabilidade do Estado, que permitam a admissão de um grande número de imigrantes quando as necessidades de mão-de-obra assim o exigirem. A prática é que, durante os últimos anos, se tem verificado necessidades significativas de mão-de-obra estrangeira que acabou por ser recrutada por mecanismos de «entrada pelas portas dos fundos», tal como se pode concluir da avaliação do recente processo de legalização. A solução encontrada para este problema passa pela criação de um sistema de inscrições nos postos consulares que permitiriam (ou não) posterior acesso a visto, em função das necessidades de mão-de-obra em Portugal. Os novos perfis de imigração criados pelos novos sustos migratórios permitem já «o eficaz funcionamento das cadeias informais de autorecrutamento» - é o que aponta o Relatório de 2002 -, o que demonstra a viabilidade da implementação deste sistema de inscrições em postos consulares.
Os critérios para a emissão de vistos incluem condições que devem ser exigidas, não ao candidato a visto de trabalho, mas sim às entidades empregadoras que pretendem recrutar mão-de-obra estrangeira. Este projecto de lei pretende não só clarificar essas condições, mas também simplificar a tipologia de vistos de trabalho, passando a prever apenas dois tipos de vistos: visto de trabalho I, para o exercício de uma actividade profissional por conta de outrem; visto de trabalho II, para o exercício de uma actividade profissional independente, no âmbito da prestação de serviços. São extintos os vistos de trabalho para o exercício de uma actividade profissional no âmbito do desporto ou no âmbito dos espectáculos, que são perfeitamente enquadráveis nas categorias anteriormente mencionadas.
Acresce que a redacção final do diploma acabou por acolher uma reivindicação de organizações representadas no Conselho Consultivo para a Imigração, que estava contemplada no anterior projecto do BE: que o visto de trabalho pudesse constituir condição para o acesso a autorização de residência. Mas na Lei n.º 4/2001 apenas é permitido o acesso a autorização de residência após três anos de titularidade de visto de trabalho (e cindo anos de autorização de permanência), o que prolonga a situação de precariedade e de restrição de direitos do trabalhador imigrante. Trata-se de um estatuto jurídico frágil que dificulta o acesso ao reagrupamento familiar, e a defesa de direitos constitucionalmente salvaguardados como a habitação, saúde e educação.
2 - Retomar o debate sobre os direitos dos imigrantes
A violação dos direitos do cidadão estrangeiro começa, desde logo, nos aeroportos e postos de fronteiras, sendo público o tratamento degradante a que muitos cidadãos estrangeiros são sujeitos. O artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 4/2001 não salvaguarda, de forma clara, os direitos do cidadão não admitido e, apesar de este decreto-lei prever o direito a recorrer e a ser assistido por advogado (se suportar os respectivos encargos), são poucos os cidadãos que terão condições de obter assistência jurídica. Os direitos do cidadão estrangeiro não estão claramente salvaguardados, não só na decisão de recusa de entrada mas também no processo de expulsão, regulamentado pelos artigos 99.º e 118.º, até processos de expulsões colectivas, que violam o artigo 22.º da Convenção Internacional sobre os Direitos de todos os Trabalhadores e dos Membros das suas Famílias, ratificada em Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18 de Dezembro de 1990.
Por outro lado, o recurso interposto da recusa de entrada não tem efeito suspensivo, o que implica que quando o cidadão estrangeiro for notificado da decisão, mesmo que favorável, muito provavelmente já não se encontra em Portugal, mas sim no país de origem. Esta lacuna da legislação é particularmente grave no caso de candidatos ao direito a asilo, cujo regresso ao país de origem pode colocar a sua vida em perigo.
No que se refere ao direito ao reagrupamento familiar, não estão contempladas as situações de união de facto, conforme previsto na Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos dos Imigrantes e Membros das suas Famílias. É uma lacuna que faz inviabilizar grande parte dos pedidos que chegam aos Serviços de Estrangeiro e Fronteiras, já que grande parte dos casais imigrantes vivem em união de facto, por questões socioculturais, como é o caso de grande parte dos estrangeiros originários da África e da Ásia.
No que diz respeito à pena acessória de expulsão, esta revela-se inconstitucional e discriminatória, já que o cidadão imigrante é duplamente punido - pelo crime cometido e por ser estrangeiro, o que contraria os artigos 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, expulsar-se o cidadão estrangeiro do país onde, muitas vezes, se encontram a sua família e outros elementos fundamentais na sua reintegração, contraria o espírito subjacente a uma perspectiva de reintegração social do recluso patente nas medidas privativas de liberdade. Um projecto de resolução à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, subscrito pela Deputada Manuela Aguiar, sustenta que a aplicação de pena acessória de expulsão a imigrantes de longa duração afigura-se desproporcionada e discriminatória: «Desproporcionadas porque elas acarretam consequências para a vida da pessoa visada, frequentemente a separação da família e a ruptura com o meio onde se inserem. Discriminatórias porque o Estado não dispõe dos mesmos mecanismos para nacionais que tenham cometido os mesmos actos».
Assim, estamos perante uma lei que não é eficaz no combate à exploração de mão-de-obra escrava e defesa dos direitos laborais e civis dos imigrantes e que, acima de tudo, acaba por não reconhecer a dignidade do trabalho