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3350 | II Série A - Número 081 | 27 de Março de 2003

 

responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional" corresponde ao culminar de um processo de afirmação do direito penal internacional desenvolvido desde a criação das Nações Unidas e de afirmação gradual do modelo de direito internacional resultante da reflexão sobre os crimes contra a humanidade praticados durante a II Guerra Mundial.
Na Resolução n.º 260, de 9 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu pela primeira vez a necessidade de criação de um tribunal penal internacional para julgar crimes como os de genocídio.
Ao adoptar a Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crime de Genocídio, as Nações Unidas caracterizaram o genocídio como um crime sujeito ao direito internacional, e no artigo VI da Convenção afirma-se que os indivíduos acusados da prática de genocídio deveriam ser julgados pelo tribunal competente do Estado em cujo território os factos tinham sido cometidos ou por um "tribunal penal internacional". Na mesma resolução, a Assembleia Geral convidava a Comissão de Direito Internacional a estudar a "possibilidade de criação de um órgão judicial internacional para julgar os indivíduos acusados da prática de genocídio".
Já anteriormente, em 1945, tinha sido estabelecido o Tribunal Militar Internacional, criado pelo Acordo de Londres, para julgar os criminosos de guerra nazis, que seria conhecido como "Tribunal de Nuremberga".
Em 1946 foi criado Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, conhecido como Tribunal de Tóquio, para julgar os criminosos de guerra japoneses.
A impossibilidade de consenso em torno da definição do conceito de "agressão" levaria a Assembleia Geral das Nações Unidas a adiar indefinidamente a apreciação das propostas de estatuto de um tribunal internacional, apresentadas em 1951 e revistas em 1953, pela Comissão de Direito Internacional.
Em 1989, a Assembleia Geral solicitou à Comissão de Direito Internacional que retomasse os trabalhos para a criação de um tribunal penal internacional, incluindo o crime de tráfico de droga.
Em 1993, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, através das Resoluções 808 e 827, criou o Tribunal Internacional Penal para a ex-Jugoslávia para julgar os indivíduos responsáveis por actos de "limpeza étnica".
Igualmente pela Resolução do Conselho de Segurança n.º 955/94 foi criado o Tribunal Penal Internacional ad hoc para julgar os crimes cometidos no Ruanda e por ruandeses no território de Estados vizinhos ao longo do ano de 1994.
A Comissão de Direito Internacional apresentou, em 1994, o anteprojecto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, o qual foi apreciado pela Assembleia Geral que deliberou constituir em Comité Ad Hoc para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.
O Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi adoptado em Roma em 17 de Julho de 1998, com a aprovação de 120 países, 7 votos contra e 21 abstenções.
Segundo o artigo 126.º, o estatuto entraria em vigor após o depósito de 60 instrumentos de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão, o que ocorreu em 11 de Abril de 2002, permitindo a entrada em vigor do Estatuto em 1 de Julho de 2002.
A Assembleia de Estados Partes, em sessão realizada, entre 3 e 7 de Fevereiro de 2003, elegeu os 18 juízes do Tribunal os quais tomaram posse no passado dia 11 de Março.
Até ao momento, o Estatuto do TPI foi assinado por 139 Estados e ratificado por 89 Estados, entre os quais todos os membros da União Europeia, criando as condições para a entrada em funcionamento do primeiro órgão penal internacional de carácter permanente.
É, assim, oportuna a apreciação da iniciativas legislativas que permitam assegurar a competência dos tribunais portugueses relativamente aos crimes mais graves que afectam a comunidade internacional.

IV - Relação entre o Direito Penal Internacional e o Direito Penal Português

O Estatuto do TPI afirma-se complementar das jurisdições penais nacionais como expressão da ideia da subsidiariedade da intervenção do direito penal internacional.
A ideia de subsidiariedade da intervenção projecta-se em dois planos:

- O direito penal internacional só intervém para prevenir e reprimir as mais graves ofensas aos direitos e valores essenciais da humanidade;
- O direito penal internacional circunscreve-se às situações em que a tutela daqueles valores não é adequadamente aperada pelo direito penal nacional.

Portugal apoiou a adopção do Estatuto do TPI na Conferência de Roma e procedeu à assinatura do Estatuto em 9 de Outubro de 1998.
A atribuição de poderes jurisdicionais a um tribunal internacional justificou a abertura em 4 de Abril de 2001 de um processo de revisão constitucional extraordinário considerado indispensável à ratificação do Estatuto do TPI.
A 5.ª Revisão Constitucional aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de Dezembro, integrou um novo n.º 7 do artigo 7.º com a seguinte redacção:

"7 - Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceita a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma".

A aprovação da 5.ª Revisão Constitucional permitiu a aprovação para ratificação, pela Assembleia da República em 20 de Dezembro de 2001, do Estatuto do TPI.
A declaração interpretativa feita pelo artigo 2.º da Resolução da Assembleia da República n.º 3/2002 manifesta a intenção de Portugal de exercer poder de jurisdição sobre pessoas encontradas em território nacional indiciadas pelos crimes previstos no artigo 5.º do Estatuto, "com observância da sua tradição penal, de acordo com as suas regras constitucionais e demais legislação penal interna".
A ratificação do Estatuto do TPI não obriga por si mesmo à alteração da lei penal interna. Tal resulta da opção pela concretização do princípio de complementaridade com