4105 | II Série A - Número 101 | 07 de Junho de 2003
nível de qualificação, económico ou minorias étnicas que falem em casa o português como segunda língua.
É hoje consensual no campo da educação, e em particular na área do currículo, o conceito de flexibilidade curricular que traduz a possibilidade do mesmo ser determinado, em larga medida, pelo contexto local, sem prejuízo da existência de uma matriz nacional; é também consensual a ideia de que o currículo deve permitir uma aprendizagem significativa, relevante, tornando-se assim consensual na comunidade científica a defesa de processos de integração curricular.
Neste sentido, a futura lei de bases deverá consagrar as experiências recentes no campo da inovação curricular, reafirmando a necessidade de propostas curriculares que tornem possível a gestão local do currículo, sem perda nem de qualidade nem de unidade; um aprofundamento dos conceitos de autonomia da escola e de comunidade educativa; a reafirmação da necessidade de formação específica dos professores para a adaptação às novas exigências das suas práticas profissionais.
O presente projecto de lei aponta nesse sentido, permitindo a intervenção dos agentes educativos locais - e não meramente dos actores do sistema de ensino - no processo de definição curricular local. Esse espaço é o Conselho Local de Educação, ao qual compete elaborar o projecto educativo local, definição curricular local e articulação com as políticas municipais de acção social. Estes conselhos terão ainda uma equipa técnica composta por técnicos ligados ao processo educativo, como profissionais de educação, psicólogos ou animadores socioculturais.
O objectivo é que esta descentralização de poderes não resulte no que tem sido a lógica administrativa patente nos últimos anos, criando parcerias que mais não são do que a mera reprodução, em cada concelho ou meio local, da lógica administrativa e política emanada da Avenida 5 de Outubro.
O papel do Ministério da Educação na definição das linhas que regem quer o mandato do sistema de educação, quer a garantia de direitos das populações a que se dirige, quer as relações e vínculos laborais dos seus profissionais não é contraditório com uma perspectiva de descentralização que organize as redes de dinâmicas locais. Trata-se de dimensionar a vocação formadora da escola indo ao encontro do património cultural de cada região bem como das suas necessidades e apetências específicas de desenvolvimento.
A diversidade dos territórios educativos não é compatível com uma norma única, cuja engenharia se submete exclusivamente ao modelo escolar desenvolvido no início do processo de massificação da escolarização. Torna-se imprescindível que a educação se dirija e organize em função da extraordinária diversidade de intervenientes que se cruzam no espaço escolar, numa capacidade de abertura a espaços de aprendizagem não "curricularizados", abrindo as portas a formadores e espaços formativos que se estendam para além da mera instituição escolar.
A urgência do reconhecimento dos saberes não-formais enquanto objecto de aprendizagem prende-se, justamente, com a riqueza de toda esta diversidade que vai desde a ligação com as comunidades imigrantes, às transformações que estão a atravessar as comunidades ciganas; desde a cultura juvenil urbana até à transformação do mundo rural.
Ao mesmo tempo, constituída como um dos recursos privilegiados de que as diversas comunidades dispõem, a escola precisa de se equacionar enquanto propriedade comum, disponível, numa perspectiva de oferta de formação diferenciada a todos os grupos etários, cobrindo um leque abrangente de intervenção comunitária que cruza a sua oferta de conhecimento com projectos de animação sócio-cultural catalizadora das energias endógenas de cada comunidade.
Esta escola coloca-se, desde logo, ao serviço da democracia, não apenas na perspectiva da sua estrutura de organização mas também numa perspectiva de mola de envolvimento das populações.
Entendida como promotora de participação ela deve ser uma escola de projecto, participado pelos seus autores. Entendida como uma escola aberta, ela promove a democratização da informação, o debate sobre as escolhas que se colocam às populações e a participação nas escolhas determinantes.
Os eternos constrangimentos financeiros vividos pelo sistema educativo nacional obrigam a uma aposta prioritária nesta área, que se traduza numa requalificação do sistema, que permita uma substancial evolução nos níveis de qualificação científica e formativa da população portuguesa. Dada a dimensão do sistema educativo, as elevadas dotações financeiras do Estado obrigam à máxima objectividade e transparência, razão pela qual se propõe a criação de uma Lei de Financiamento para o Ensino não Superior que, à semelhança do que já acontece no ensino superior, respeite uma fórmula por todos conhecida.
Este mecanismo permite ainda estabelecer critérios de discriminação positiva no financiamento das instituições de ensino. Como se viu nos recentes resultados dos rankings escolares não existe um Portugal educativo. Existe um país assimétrico onde, regra geral, as escolas do litoral e do centro das grandes zonas urbanas apresentam melhores índices de sucesso educativo. A proposta que aqui se apresenta é que a fórmula de financiamento discrimine positivamente os estabelecimentos escolares localizados em meios socialmente desfavorecidos e com uma sobrerepresentação de minorias étnicas ou contextos familiares de reduzidos níveis de escolarização, nomeadamente através do aumento e diversificação dos programas de apoio e complemento educativo.
A necessidade de articular a Lei de Bases da Educação com os objectivos de Bolonha não deve reduzir este processo legislativo a uma mera reprodução mecânica, e economicista, do que tem sido entendimento mais restritivo deste documento. A harmonização de graus, mantendo, no entanto, um sistema binário no ensino superior, está presente neste projecto de lei. Uma actualização legislativa, que, acreditamos, confere maior dignidade institucional e educativa ao ensino superior politécnico.
O entendimento do Bloco de Esquerda é o de que a atribuição de graus não deve depender tanto do nome que a instituição ostenta, mas, isso sim, com o cumprimento criterioso de critérios mínimos - e rigorosamente avaliados - de qualificação do corpo docente e da investigação científica produzida nas instituições. Cumpridos esses critérios, o projecto em causa defende a possibilidade de universidades e institutos ministrarem cursos de mestrado ou doutoramento.
O projecto de lei que agora apresentamos defende, entre outros princípios, a coesão do sistema de educação, a sua territorialização e adequação aos contextos locais, a