0005 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
6. Os fundamentos do pedido de apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa são os seguintes:
"2. Enquanto que na primeira parte do artigo 17.º, n.º 2, se proíbe que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, no segmento normativo em questão abre se, todavia, essa possibilidade "quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem".
Ora, tratando-se aqui de elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego, eles encontram-se indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Assim, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola a garantia constitucional do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura da sua possibilidade conferida pela segunda parte do artigo 17.º, n.º 2, do Código do Trabalho constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada.
Nestes termos, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso constitucionalmente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo), o que, no caso em apreço, parece muito discutível.
Mais concretamente, não parece que a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as "particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional", enquanto invocado fundamento para a restrição, seja compatível com a certeza requerida pela protecção de um domínio tão sensível como é o da reserva da intimidade da vida privada. Por outro lado, parece seguro que teria sido possível chegar aos mesmos fins que se procuram atingir com a restrição em causa através da utilização de meios menos restritivos, tal como o exige a observância do princípio da proibição do excesso. Assim, sem perda de eficácia, seria possível, como se defende no Parecer emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (solicitado e emitido já depois da aprovação final global do Código do Trabalho pela Assembleia da República), atingir os mesmos fins recorrendo à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3."
Por estas razões, o segundo segmento normativo do artigo 17.º em causa "parece constituir uma violação da garantia de reserva da intimidade da vida privada consagrada no artigo 26.º da Constituição, bem como uma violação do princípio da proibição do excesso nas restrições a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição".
7. No aludido Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados sustenta se que o n.º 2 do artigo 17.º, para além de admitir, numa formulação bastante genérica, excepção à não vinculação do trabalhador a fornecer informações sobre o seu estado de saúde, deixa esta decisão nas mãos da entidade empregadora, sem que haja qualquer referência a uma intervenção médica ou enquadramento do pedido no âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho, o que suscita a dúvida sobre se esta indagação sobre o estado de saúde, a coberto de um fundamento impreciso, e sem qualquer conexão com a preservação da saúde dos trabalhadores, não estará a contribuir para institucionalizar uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada, constitucionalmente censurável. Comparando este regime com o do artigo 19.º, n.º 3, em que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e indicação do médico e em que, em princípio, o resultado dos mesmos será inacessível à entidade empregadora, no aludido parecer sugere se que se clarifique, no artigo 17.º, que a solicitação por escrito e a respectiva fundamentação sejam subscritas por médico e que à entidade empregadora só seja revelada a aptidão ou a inaptidão para o cargo. Caso não seja feita tal precisão - conclui o parecer - ocorrerá violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP, por a limitação da intimidade da vida privada dos trabalhadores se revelar excessiva, não adequada, desproporcionada e desnecessária, traduzindo se numa efectiva aniquilação de um direito fundamental sem se atender ao princípio da mútua compressão que deve nortear a harmonização dos direitos fundamentais. No caso, a restrição do direito ultrapassa o estritamente necessário para salvaguardar os direitos da entidade empregadora: esta não precisa de conhecer os dados, bastando que o médico se pronuncie no sentido de que o trabalhador está apto a desempenhar as funções e só o médico estará em condições de emitir tal juízo, e, por isso, a solução encontrada representa uma diminuição injustificada da extensão e alcance do conteúdo essencial do direito fundamental em causa.
8. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 368/02 (Diário da República, 2.ª série, n.º 247, de 25 de Outubro de 2002, págs. 17 780 17 791), a propósito das normas do Decreto Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro (que estabelece o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho), na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março, que previam a realização de exames periódicos de saúde aos trabalhadores, "tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador" e estabeleciam o dever de os trabalhadores comparecerem aos exames médicos e realizarem os testes "que visem garantir a segurança e saúde no trabalho", teve oportunidade de, com exaustiva invocação da sua jurisprudência anterior pertinente e da doutrina mais relevante, desenvolver o seguinte encadeamento argumentativo:
1) O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da CRP, sendo caracterizável como o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular, ou, noutra formulação, como o direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua vida, assim como a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela;
2) Este direito analisa se principalmente em dois direitos menores: o direito a impedir o acesso