0009 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
surgia com o trânsito em julgado da declaração judicial de ilicitude do despedimento por nulidade do procedimento, o Código só consente essa reabertura até ao termo do prazo para contestar a acção de impugnação de despedimento fundada em invalidade do procedimento disciplinar.
12. Para o Requerente, "esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar que, na prática, poderá ou tenderá mesmo a ocorrer mais de um ano após a ocorrência dos factos que determinaram o despedimento pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito", pois "a segunda oportunidade dada ao empregador, mesmo quando o despedimento se tenha processado com eventual violação grosseira dos mais elementares direitos de defesa do trabalhador despedido, faz desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar por parte do empregador e, como este pode retirar benefícios dessa preterição, tem como riscos práticos prováveis o estímulo à inobservância das exigências procedimentais" e, "no lado do trabalhador, desincentiva se a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultam se, objectivamente, as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade de abertura de um procedimento disciplinar conforme às exigências legais e constitucionais de defesa, estar a ser invocados pela primeira vez por parte do empregador", ao que acresce que "a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar nos termos previstos no artigo 436.º, n.º 2, permite o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar".
Daqui decorreria que "a norma constante do artigo 436.º, n.º 2, pode violar as garantias constitucionais de defesa do trabalhador despedido com preterição das exigência procedimentais que decorrem do princípio do Estado de Direito e pode constituir uma violação da garantia da certeza e segurança jurídicas próprias do mesmo princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição".
13. Antes de entrarmos na apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa, cumpre assinalar o respectivo alcance.
Surge como seguro que a norma não se aplica aos casos de inexistência do processo disciplinar e que se exige que, no mínimo, tenha sido emitida nota de culpa, pois só assim será possível fazer activar a previsão contida na segunda parte do preceito (reinício do prazo interrompido com a notificação da nota de culpa). Ora, existindo nota de culpa, ela delimita o objecto do processo, não podendo, na decisão sancionatória, ser invocados factos não constantes da nota de culpa, conforme determina o artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho, correspondente ao artigo 10.º, n.º 9, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto Lei n.º 64 A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT). Assim, a reabertura do processo disciplinar não consentirá o alargamento da nota de culpa a novos factos (neste sentido: Pedro Romano Martinez, "Considerações gerais sobre o Código do Trabalho", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIV (XVII da 2.ª Série), n.ºs 1 e 2, Janeiro Junho 2003, págs. 5 a 28, em especial pág. 24), a menos que a mesma ocorra antes de expirado o prazo de 60 dias cominado no n.º 1 do artigo 372.º do Código do Trabalho, o que raramente se verificará. Na verdade, atendendo a que na base da estipulação deste prazo está o entendimento de que o facto de o empregador ter deixado decorrer mais de 60 dias sobre a data do conhecimento das infracções imputadas ao trabalhador implica que não as considerou como tornando "imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho", isto é, não as considerou como susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, seria absolutamente injustificado que o empregador aproveitasse a reabertura do processo disciplinar para aditar à primitiva nota de culpa novas imputações que anteriormente considerara insusceptíveis de inviabilizar a persistência da relação laboral. Aliás, uma vez esgotado o aludido prazo de 60 dias, não faz sentido falar se em reinício do mesmo prazo.
Interpretada, nos termos expostos, como inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e como não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa (excepto se as novas infracções tivessem chegado ao conhecimento do empregador, ou do superior hierárquico com competência disciplinar, há menos de 60 dias), padecerá a norma em causa de inconstitucionalidade?
A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, em si mesma considerada, não ofende a perspectiva substantiva da proibição de despedimentos sem justa causa, pois a acção de impugnação do despedimento só soçobrará definitivamente se o empregador provar ter o trabalhador praticado infracção disciplinar que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. E também não viola a perspectiva procedimental dessa garantia constitucional, pois a reabertura do processo disciplinar visa justamente fazer respeitar os requisitos formais destinados a assegurar eficazmente os direitos de defesa do arguido.
Os efeitos perversos que, segundo o Requerente, essa possibilidade de reabertura do processo disciplinar poderá provocar, quer estimulando o desrespeito das regras procedimentais por parte do empregador, quer desincentivando os trabalhadores de impugnarem despedimentos formalmente inválidos, serão atenuados pelo facto de o empregador não poder reportar os efeitos do "segundo despedimento" à data do primeiro e de ao trabalhador sempre interessar fazer respeitar as garantias processuais que lhe assistem e impugnar despedimentos infundamentados.
A única objecção relevante respeita ao prolongamento do(s) prazo(s) de prescrição, que a solução legislativa consagra, enquanto que, como se viu, mesmo a jurisprudência e a doutrina que defendiam a admissibilidade da reabertura do processo disciplinar sempre pressupuseram que não eram excedidos os prazos prescricionais. Entende se, apesar disso, que tal não afecta de forma intolerável os direitos de defesa dos trabalhadores arguidos nem os valores da segurança e da certeza jurídicas. Se é certo que agora expressamente se consagra que a acção de impugnação de despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano (artigo 435.º, n.º 2), não é menos certo que os trabalhadores se sentem incentivados a propor essa acção no prazo de 30 dias subsequentes ao despedimento, sob pena de, no caso de procedência da acção, perderem o direito ao pagamento das retribuições devidas após esse período de 30 dias (artigo 437.º, n.º 4). Sendo de