0013 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
Essa ideia tem expressão exemplar no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88 (citado): "(...) A garantia de segurança do emprego (...) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal. E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda" (sublinhado agora).
2. Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma "alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa" que, assim, "não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 287).
Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma "resistência" aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste.
Este sentido nuclear assinalou o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários.
O acórdão n.º 107/88 (citado) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também "despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho". E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento.
Este acórdão - que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição - afirmou ainda que não cabia na "intenção jurídico normativa" da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto Lei n.º 372 A/75 erigira em causa de despedimento e definira como "o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho".
Mesmo para quem não empreenda esta aproximação "originalista" da norma constitucional, é clara a ideia - aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão - de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do acórdão n.º 64/91 (citado): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: "(...) ao lado da 'justa causa' disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral". O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização.
3. Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos. Para usar a formulação do acórdão n.º 64/91 (citado), "a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos (...). Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de justificar também (aqui) os despedimentos individuais (...)".
Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a censura ético jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador. "A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade objectiva" (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª edição, Coimbra, 1992, págs. 66 67).
Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o "direito do sistema" seja já, na maior medida possível, "direito do problema", direito operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários, judicialmente incontroláveis."
Passando depois à análise das normas então impugnadas (artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e artigos 26.º a 33.º da LCCT), o citado Acórdão n.º 581/95 expendeu o seguinte:
"Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato. Segundo o programa da norma, essas causas devem revelar "a inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo" (Monteiro Fernandes). Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador. Finalmente, está o Governo legislador incumbido de instituir, quanto a essas formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de procedimento.
A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o acórdão n.º 107/88, ao analisar o Decreto n.º 81/V, já ensejava para a admissibilidade - que então não discutiu - dos despedimentos por causa objectiva.