0015 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
em regime liberal, como, aliás, foi aventado durante o debate parlamentar desta proposta de lei.
Em outros, porém, especialmente nos de secretariado pessoal, existe prestação de serviços ou de trabalho, embora com regime próprio. Mas também então se verifica aquela modificação no conteúdo ou na essencialidade do dever de lealdade, que Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 190) considera típica dos "cargos de direcção ou de confiança": "a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador". Não necessita este Tribunal de dirimir a questão de saber se o carácter fiduciário (e, portanto, a diferente ponderação em que a fidelidade pessoal e adequação funcional objectiva determinam o conteúdo dos deveres do prestador de serviços) implica a constituição de um tipo contratual distinto do contrato de trabalho. Bastará ao Tribunal reconhecer que, nestes casos, há fundamento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao contrato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Nestes casos, a quebra de relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito" (itálicos no original).
Relativamente à admissibilidade da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, o Tribunal não considerou constitucionalmente ilegítima esta nova figura, com base na seguinte argumentação:
"Este Tribunal perfilha o entendimento de que não é constitucionalmente ilegítima esta nova figura de cessação de contrato de trabalho, nos precisos termos em que está regulada no Decreto em apreciação, desenvolvendo assim a problemática que se deixara em aberto no Acórdão n.° 107/88, isto é, a questão da admissibilidade de despedimentos individuais fundados em "causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho".
Em abono da constitucionalidade da figura agora prevista no diploma sub judicio poderá desde logo argumentar-se, num primeiro entendimento, que o conceito constitucional de justa causa é susceptível de cobrir factos, situações ou circunstâncias objectivas, não se limitando à noção de justa causa disciplinar que está aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976 (artigo 10.° do Decreto Lei n.° 372 A/75, na redacção do Decreto Lei n.° 841 C/76: "comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho"; noção esta repetida no artigo 9.°, n.° l, da nova Lei dos Despedimentos de 1989, aprovada pelo Decreto Lei n.º 64 A/89). Partindo da ideia de que a Constituição, "quando proíbe os despedimentos sem justa causa, coloca se noutra perspectiva: a da defesa do emprego e da necessidade de não consentir denúncias imotivadas. Não fez apelo aos casos excepcionais da antiga 'justa causa' que legitimava uma rescisão imediata sem indemnizações; a proibição constitucional tem uma explicação diversa, pois pretende atingir os despedimentos arbitrários, isto é, sem motivo justificado" (Bernardo da Gama Lobo Xavier, "A recente legislação dos despedimentos", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, 1976, pág. 161, passo transcrito na declaração de voto conjunta dos Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, anexa ao Acórdão n.° 107/88), é assim possível defender que a Constituição não veda formas de despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objectivos, "tais como o despedimento tecnológico ou por absolutas necessidades da empresa". Isto sem prejuízo de o despedimento por estes últimos motivos dever obedecer a uma regulamentação específica, rodeada de adequadas garantias.
Mas ainda quando se não partilhe o ponto de vista acabado de referir, quanto ao preenchimento do conceito constitucional indeterminado de justa causa, continuar se á a sustentar, agora num segundo entendimento, o juízo de legitimidade constitucional desta regulamentação. É que, mesmo partindo se de uma "densificação semântica" do conceito constitucional de justa causa que privilegie a história dos trabalhos preparatórios e a preocupação do legislador constituinte de proscrever os despedimentos com base em motivo atendível, previstos na Lei dos Despedimentos de 1975 (vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1984, pág. 291), deve entender-se que, ao lado da "justa causa" (disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. Já se não estará perante situações de despedimento com base em justa causa quando se permite a cessação do contrato de trabalho pela causa objectiva de o trabalhador não conseguir adaptar se a uma alteração tecnológica do seu posto de trabalho, inadaptação que, sem culpa do empregador, torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral e justifique por isso, a respectiva caducidade. Não pode admitir se que baste a conveniência da empresa, por razões objectivas, para ser constitucionalmente legítimo pôr se termo ao contrato de trabalho. Há de considerar se que tem de verificar se uma prática impossibilidade objectiva e que tais despedimentos hão-de ter uma regulamentação substantiva e processual distinta da dos despedimentos com justa causa (disciplinar), de tal forma que fiquem devidamente acauteladas as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não podendo através desse meio conseguir se, em caso algum, uma "transfiguração" da regulamentação que redunde na possibilidade, mais ou menos encapotada, de despedimentos imotivados ou ad nutum ou de despedimentos com base na mera conveniência da empresa.
Ainda segundo este ponto de vista mais restritivo na densificação semântica da noção constitucional de justa causa, considera-se que a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos, regulamentados pelo Decreto Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, já depois de aprovado o texto do que viria a ser o artigo 52.°, alínea b), da versão original da Constituição de 1976, correspondente ao actual artigo 53.° da Constituição. Ora é uma impossibilidade objectiva análoga que há de justificar também os despedimentos individuais com base em motivos de inadaptação por evolução tecnológica ("despedimentos tecnológicos"), a que se referia o deputado Francisco Marcelo Curto no debate da Assembleia Constituinte com o deputado Mário Pinto, na sessão em que foi aprovado o texto da referida norma constitucional (remete se para o Diário