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0012 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003

 

na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho (cf. artigo 12.º do Decreto Lei n.º 372 A/75).
O acto que extingue o contrato de trabalho, no regime da norma em apreço, vem a revelar se ilícito, antijurídico, e, não obstante isso, pode vir a ocasionar o despedimento quando o juiz criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.
Quer isto dizer que a entidade patronal, ao desencadear um despedimento ilícito, originou uma situação de conflito e tensão na relação laboral, acabando o clima de perturbação a ela devido por servir para levar o juiz a substituir a reintegração por indemnização.
Não existe aqui lugar para o apelo a qualquer princípio de tu quoque, de compensação de culpas, pois que, ao menos no recorte abstracto da situação normativa, apenas à entidade empregadora pertence responsabilidade na degradação da relação de trabalho, por efectuar um despedimento ilícito em termos de assim ser reconhecido pelo tribunal.
A culpa do empregador, através do mecanismo instituído neste norma, volta se, não contra ele próprio, mas sim contra o trabalhador, que acaba despedido, em última análise, por força de um acto judicialmente declarado ilícito e situado na esfera de exclusiva responsabilidade da entidade patronal. É que a eventual impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho dever se á, em direitas contas, ao menos na generalidade das situações, ao próprio despedimento ilícito e às tensões que se lhe seguiram e o acompanharam.
A substituição da reintegração pela indemnização, em semelhante quadro, permitiria que a entidade patronal sempre pudesse despedir o trabalhador à margem de qualquer "causa constitucionalmente lícita", bastando-lhe para tanto criar, mesmo que artificialmente, as condições objectivas (despedimento ilícito + perturbações da relação laboral impossibilidade do reatamento de normais relações do trabalho) conducentes à cessação do contrato de trabalho.
É patente a violação do disposto no artigo 53.º da Constituição."
O Tribunal Constitucional viria a ser novamente confrontado com esta problemática perante pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade de diversas normas da Lei (de autorização legislativa) n.º 107/88, de 17 de Setembro (originado na iniciativa legislativa sobre que se debruçara o Acórdão n.º 107/88), do Decreto Lei n.º 64 A/89, de 27 de Fevereiro (emitido ao abrigo daquela autorização), e do Regime Jurídico por ele aprovado (LCCT), entre elas as que previam "formas de cessação do contrato de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso concreto, tornassem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho" e especificamente a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho. A este propósito, e tendo em vista a garantia constitucional da segurança no emprego, ponderou se no Acórdão n.º 581/95:
"III (...) - 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores "a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos". Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do "direito ao lugar" do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do "equilíbrio de liberdades" que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento "se haja dado dentro de um marco jurídico normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro" (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178).
A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a "garantia da garantia".
Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a "justa causa" implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a "justa causa" se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como "fórmula vazia pseudo normativa" compatível "com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento (...). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica" (Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a "justa causa" (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, 2.ª edição, a partir da 5.ª edição alemã de 1983, Lisboa, 1989, págs. 263 264)).
A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto realização do indivíduo, que o trabalhador é "um fim em si", não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que - como afirma Forsthoff - para a ordem da Constituição Social, "a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver se num espaço vital efectivo" (Ernst Forsthoff, "Problemas constitucionales del Estado Social", in Wolfgang Abendroth / Ernst Forsthoff / Karl Doehring, El Estado Social, tradução castelhana, Madrid, 1986, págs. 43 e seguintes).