0007 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
respeitam à intimidade da sua vida privada; (ii) a intromissão nessa esfera íntima ocorre não apenas através da exigência da efectivação de testes e exames médicos, de que trata o artigo 19.º, mas também através da exigência de prestação de informações, prevista no n.º 2 do artigo 17.º; (iii) no contexto desta norma, a prestação das referidas informações por parte do candidato a emprego ou do trabalhador constitui um ónus relativamente à obtenção do emprego ou um verdadeiro dever jurídico de que pode depender a própria manutenção da relação laboral; (iv) tal restrição ao direito fundamental à intimidade da vida privada só será constitucionalmente admissível se observar as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP.
No n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho é reproduzida a formulação usada no n.º 2 do artigo 17.º ("particulares exigências inerentes à actividade") a par da referência à "protecção e segurança do trabalhador e de terceiros", como finalidades justificadoras da imposição da efectivação de exames ou testes, o que parece sugerir que a finalidade invocada no artigo 17.º, n.º 2, não se prenderá com estas preocupações relativas à protecção e segurança do trabalhador e de terceiros, de indiscutível relevância constitucional.
No sentido da indeterminabilidade da restrição prevista no segmento normativo impugnado, poderá invocar se o carácter vago da razão invocável para invadir a intimidade da vida privada do candidato ao emprego ou do trabalhador ("particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional"), a que acresce que a latitude do critério não permite discernir, dentre as hipóteses nele subsumíveis, aquelas em que seria reconhecível a necessidade de protecção de valores constitucionalmente relevantes daquelas em que o motivo invocado não teria valor suficiente para justificar a intromissão.
Entende, porém, este Tribunal Constitucional (entendimento não partilhado pelo relator) que, nesta perspectiva, a solução legal não é merecedora de censura de inconstitucionalidade, porquanto, para além da protecção da segurança ou da saúde do trabalhador ou de terceiros, podem existir outras exigências ligadas a especificidades da actividade ("particulares exigências") que justifiquem que sejam pedidas informações sobre a sua saúde ou estado de gravidez, ao trabalhador ou ao candidato ao emprego: é o caso da determinação da aptidão - ou da melhor aptidão - destes para a realização das tarefas que lhes serão cometidas (as quais, mesmo independentemente da segurança do trabalhador ou de terceiros, podem exigir, por exemplo, particular acuidade visual, ou de outro sentido). Ora, é justamente esse o sentido do segmento normativo impugnado.
Considera se, no entanto, que a norma em apreço, numa outra dimensão, viola o princípio da proporcionalidade. Com efeito, para a finalidade tida em vista seria suficiente, como no caso do artigo 19.º, n.º 1, a intervenção do médico, com a imposição de este apenas comunicar ao empregador a aptidão ou inaptidão do trabalhador para o desempenho da actividade em causa. O empregador não tem necessidade de conhecer directamente dados relativos à esfera íntima do candidato a emprego ou do trabalhador, bastando lhe obter a informação da eventual existência de inconvenientes à contratação ou à atribuição de determinadas actividades. Ora, a vinculação do médico ao segredo profissional reduz ao mínimo a indevida e desnecessária divulgação de dados cobertos pela reserva da intimidade da vida privada. De resto, o juízo de adaptação ou inadaptação entre as condições de saúde e estado de gravidez e a natureza da actividade pressuporá, por vezes, conhecimentos científicos que, em princípio, só o médico possuirá.
Conclui se, assim, que a norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho - na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador - viola o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.
B) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando com base na sua invalidade haja sido impugnado judicialmente o despedimento.
10. O Decreto Lei n.º 372 A/75, de 16 de Julho, introduziu a regra da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (artigo 9.º, n.º 1), fazendo depender sempre a verificação de justa causa de procedimento disciplinar (artigo 11.º, n.º 2), cuja nulidade ou inexistência determinavam a nulidade do despedimento (artigo 12.º, n.º 1). A nulidade do despedimento (seja por inexistência de justa causa, seja por inadequação da sanção ao comportamento verificado, seja por nulidade ou inexistência do processo disciplinar) conferia ao trabalhador, para além do direito às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia, podendo o trabalhador, em substituição da reintegração, optar pela "indemnização de antiguidade", correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, não podendo ser inferior a três meses (artigo 12.º, n.ºs 2 e 3). O n.º 6 do artigo 11.º, relativo à tramitação do processo disciplinar, dispunha que a falta de qualquer dos elementos referidos nos números anteriores do mesmo preceito (processo escrito; nota de culpa com descrição dos comportamentos imputados ao trabalhador; audição do arguido; realização das diligências por ele solicitadas e outras que se mostrem razoavelmente necessárias para o esclarecimento da verdade; sujeição do processo, depois de concluído, a parecer de entidade representativa dos trabalhadores; comunicação por escrito da decisão de despedimento com indicação dos fundamentos considerados provados, decisão essa a proferir só após decorridos 15 dias após o termo do prazo para emissão do aludido parecer) "determina nulidade insuprível do procedimento disciplinar e a consequente impossibilidade de se efectivar o despedimento com base nos comportamentos concretos invocados". Esta disposição, implicando o carácter irreparável da nulidade do despedimento fundada em nulidade ou inexistência do processo disciplinar, não foi mantida na redacção dada ao referido artigo 11.º pelo Decreto Lei n.º 841 C/76, de 7 de Dezembro, e a partir daí nunca mais foi reproduzida na legislação laboral portuguesa.
Neste contexto, registou se divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de o empregador,