0008 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
apercebendo se - após comunicar ao trabalhador a sua decisão de o despedir - da ocorrência de nulidade (ou mesmo inexistência) do processo disciplinar, "revogar" aquela decisão e (re)iniciar o processo disciplinar, corrigindo os vícios de que inicialmente padecia e eventualmente proferindo nova decisão de despedimento.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2001, processo n.º 3236/00 (Acórdãos Doutrinais, n.º 485, págs. 709 750, em especial no seu ponto III.1.2., a págs. 726 738), dá se notícia, tanto quanto possível exaustiva, dessas divergências.
Assim, no sentido da inadmissibilidade dessa renovação do procedimento, pronunciaram se, na doutrina, Morais Antunes e Amadeu Guerra (Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 149 e 150), e Messias Carvalho ("A ilicitude do despedimento e seus efeitos", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI, (IV da 2.ª Série), 1989, n.ºs 3/4, pág. 396), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de Fevereiro de 1985, processo n.º 182/84 (Colectânea de Jurisprudência, ano X, tomo 1, pág. 344), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 1983, processo n.º 18 226 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 5, pág. 262), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1988, processo n.º 1693 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, pág. 428), e de 17 de Maio de 1995, processo n.º 3954 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 447, pág. 417). Para esta corrente, sendo o despedimento uma declaração unilateral receptícia, ela produz todos os seus efeitos logo que chegue ao conhecimento do destinatário, provocando a imediata cessação da relação laboral, pelo que, sem o consentimento do trabalhador, a entidade patronal não lhe pode impor a restauração da relação.
No sentido da admissibilidade, pronunciaram-se, na doutrina, José António Mesquita ("Despedimento (Sanação da sua nulidade) - Caducidade do procedimento disciplinar (Conhecimento oficioso - Prazo)", Revista do Ministério Público, ano 2, vol. 8, Dezembro 1981, pág. 41), Bernardo da Gama Lobo Xavier ("A recente legislação dos despedimentos (O processo disciplinar na rescisão por justa causa)", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, n.ºs 1 2 3 4, Janeiro Dezembro 1978, pág. 153 e seguintes, em especial pág. 178), e Henrique Salinas ("Algumas questões sobre as nulidades do processo de despedimento", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIV (VII da 2.ª Série), 1992, n.º 1, págs. 19 e seguintes, em especial págs. 53 e seguintes), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Fevereiro de 1983, processo n.º 3278 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 1, pág. 189), do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Junho de 1983, processo n.º 2174 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 3, pág. 302), e de 9 de Fevereiro de 1987, processo n.º 5717 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 279), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1987, processo n.º 1331 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 87), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 1988, processo n.º 1898, e de 6 de Dezembro de 1995, processo n.º 4249 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, pág. 301), e, por último, o já citado acórdão de 12 de Julho de 2001. Para esta corrente, o que está efectivamente em causa é a delimitação dos poderes da entidade patronal enquanto detentora de poder disciplinar sobre o trabalhador, poder que não se resume à aplicação de sanções, mas também abarca a competência para organizar e dirigir o correspondente processo disciplinar e, nesta competência de direcção processual, não pode deixar de estar incluída a faculdade de apreciar, por iniciativa sua ou na sequência de reclamação do arguido, a ocorrência de nulidades processuais e, sendo caso, o poder de as declarar e de extrair dessa declaração todas as consequências, que normalmente se traduzirão na inutilização dos actos subsequentes, incluindo mesmo a decisão final do processo, se esta já tiver sido proferida. Constituíam, no entanto, pressupostos constantes destas posições, por um lado, o de que a instauração de novo processo disciplinar ou a prática dos actos indevidamente omitidos em processo já desencadeado tinham de respeitar os prazos de caducidade da acção disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar, e, por outro lado, o de que a nova decisão de despedimento não podia reportar os seus efeitos à data da anterior.
11. Recordadas as divergências que o regime legal vigente suscita em matéria de possibilidade de reabertura do processo disciplinar, torna se mais fácil compreender as dúvidas que a norma ora em análise suscita em termos de constitucionalidade.
Dispõe o artigo 436.º do Código - inserido na Subsecção III (Ilicitude do despedimento) da Secção IV (Cessação por iniciativa do empregador) do Capítulo IX (Cessação do contrato) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral) -, sob a epígrafe "Efeitos da ilicitude":
"1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados;
b) A reintegrá lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
2. No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 411.º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez."
Por seu turno, o n.º 4 do artigo 411.º determina que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no artigo 372.º, a saber: prazo para o exercício do procedimento disciplinar, fixado em 60 dias, a contar da data do conhecimento da infracção por parte do empregador ou do superior hierárquico com competência disciplinar; e prazo de prescrição da infracção disciplinar, fixado em um ano a contar do momento em que ela teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.
O artigo 436.º do Código corresponde aos artigos 399.º do Anteprojecto e 425.º da Proposta de Lei, cujos n.ºs 2 dispunham que "sendo o despedimento declarado ilícito por nulidade do procedimento, com o trânsito em julgado da decisão judicial inicia se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo (...), não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez." Isto é: enquanto no Anteprojecto e na Proposta de Lei a possibilidade de reabertura do processo disciplinar