0017 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
do despedimento sem justa causa corresponde, necessária e invariavelmente, a invalidade de tal despedimento e o consequente direito do trabalhador à reintegração - uma tutela específica, ou "real", do posto de trabalho - ou se existirão situações em que são constitucionalmente admissíveis desvios - com tutela ressarcitória - à regra da reintegração, e se uma destas situações não poderá ser a hipótese ora em apreciação.
No direito ordinário está hoje consagrada, pelo menos, solução que é expressão desta segunda possibilidade: é o caso, já referido, do contrato de trabalho doméstico.
Para além disto, no caso do contrato de trabalho do praticante desportivo, apesar de o artigo 27.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, consagrar o direito do trabalhador/praticante desportivo à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito, João Leal Amado (Vinculação versus Liberdade. O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 297 307) critica essa opção legislativa, por reputar não constitucionalmente imposta em todos os casos a tutela reintegratória e considerar que a voluntariedade da relação desportiva não convive facilmente com a coercibilidade do vínculo jurídico laboral do praticante, pelo que a lei deveria prescindir daquela tutela nesse domínio, optando por um sistema meramente ressarcitório, que é, aliás, o consagrado, para o futebol profissional, tanto na PRT de 1975 como no CCT de 1991 e até no CCT de 1999, já posterior àquela lei. Por outro lado, Jorge Leite e Coutinho de Almeida (Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, págs. 263 264), reflectem em geral sobre a obrigação de "reocupação do posto de trabalho" como consequência da nulidade do despedimento, adiantando que "a ordem jurídica não pode nem deve estimular obstáculos de natureza subjectiva à realização de direitos fundamentais ou de quaisquer outros, antes os deve contrariar", e que "a oposição gerada em sentimentos do empregador (respeitáveis ou condenáveis) não pode prevalecer sobre os interesses na realização do direito ao trabalho e à segurança no emprego", e concluindo que a obrigação de reintegração "se deve excluir do âmbito do contrato de serviço doméstico e de empresas familiares ou quase familiares". Na mesma linha, referem-se na doutrina situações em que os elementos pessoais da relação de trabalho sejam de tal forma preponderantes que se possa dizer que a imposição da manutenção do vínculo jurídico contra a vontade de um dos sujeitos acabará por se traduzir numa violação inaceitável de outros direitos igualmente dignos de tutela, maxime quando estejam em causa valores também eles constitucionalmente protegidos (Pedro Furtado Martins, Despedimento ilícito ..., citado, págs. 28 29, que aponta como exemplos as relações de trabalho em organizações não empresariais, tais como partidos políticos, associações sindicais e patronais, instituições religiosas, escritórios de profissionais liberais, etc., as relações de trabalho em empresas de dimensão e natureza familiar ou quase familiar e as relações de trabalho em que exista uma acentuada componente fiduciária).
O Tribunal Constitucional entende - contra a posição do ora relator - que a norma em análise, ao prever, em certos termos, a oposição, pelo empregador, à reintegração, por o regresso do trabalhador de microempresa, ou que ocupe cargo de administração ou de direcção, ser "gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial" não é inconstitucional num sistema que, como o nosso, admite também justas causas objectivas de despedimento (assim, os citados Acórdãos n.ºs 107/88, 64/91 e 581/95). Na verdade, nas microempresas, se o reatamento da relação de trabalho importar, numa avaliação objectiva e realizada por uma entidade com garantias de independência, grave prejuízo e perturbação para a prossecução da actividade da empresa, pode, em confronto com este resultado, não ser exigível a subsistência do vínculo contratual, e, assim, a reintegração do trabalhador.
Chegará a esta conclusão de não inconstitucionalidade, desde logo, quem perfilhe opinião semelhante à defendida nos votos de vencido apostos ao citado Acórdão n.º 107/88, no sentido da conformidade constitucional da norma, já referida, do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V.
Mas mesmo para quem não perfilhe esta posição, o texto agora em análise não tem de merecer um juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, ele comporta, relativamente ao anterior, gradações qualitativas e quantitativas com relevo suficiente para apontarem orientação oposta. Desde logo, porque expressamente se afasta a oposição à reintegração quando a ilicitude do despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, "ainda que com invocação de motivo diverso". E se circunscreve a exclusão da tutela reintegratória às "microempresas ou relativamente a trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção", o que limita significativamente o universo dos destinatários da norma.
Depois, porque se estabelece um diferenciado regime indemnizatório nos casos de procedência da oposição patronal à reintegração. Assim, se o trabalhador, em substituição de reintegração, optar pela via indemnizatória, o tribunal fixará um montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, nos termos previstos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 439.º, não podendo a indemnização ser inferior a três meses. Já se a oposição à reintegração for julgada procedente, o quantum indemnizatório é calculado entre 30 e 60 dias, não podendo ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades (n.ºs 4 e 5 do artigo 439.º).
De qualquer modo, e decisivamente, o texto anteriormente sindicado bastava se com o pressuposto da criação, pelo tribunal, da "convicção da impossibilidade de reatamento das normais relações de trabalho", enquanto agora, criado o princípio geral da reintegração do trabalhador, se permite, por via excepcional, o afastamento dessa regra se o fundamento invocado for considerado, pelo tribunal, como "gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial", não se admitindo ainda a não reintegração se o juiz considerar que o fundamento justificativo de oposição a esta foi "culposamente criado pelo empregador".
A intervenção do juiz, no anterior caso, não se confinaria a uma formal dedução, como se essa sua intervenção se reduzisse à condição de "um impessoal e fungível operador". Mas, de todo o modo, no texto agora em análise, a intervenção do tribunal insere-se numa disciplina procedimental - que, no Código, não encontrará lugar adequado para se desenvolver -, subentendendo, naturalmente, a sujeição ao contraditório e à consequente repartição do ónus probatório (a cargo do empregador, pelo menos na hipótese contemplada na parte final do n.º 2 do artigo 438.º; eventualmente, a recair sobre o empregado - quando não oficiosamente