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0019 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003

 

20. Segundo o Requerente, a norma do n.º 1 deste artigo aparentemente significa que, "ao contrário do disposto no artigo 112.º, n.º 6, da CRP, a lei agora aprovada pela Assembleia da República confere a actos de natureza não legislativa o poder de afastar a aplicação dos seus preceitos, a não ser quando deles resultar o contrário", pois, "como se estabelece no artigo 2.º do Código do Trabalho, os instrumentos de regulamentação colectiva podem ser instrumentos negociais (basicamente as convenções colectivas), mas também instrumentos não negociais de clara natureza administrativa, como são os regulamentos de extensão ou os regulamentos de condições mínimas".
Ora, inferindo se, a contrario, do disposto no artigo 4.º, n.º 2, que "a possibilidade de derrogação dos preceitos do Código do Trabalho pelos instrumentos de regulamentação colectiva pode ser feita num sentido mais ou menos favorável ao trabalhador, o que significa que, independentemente da natureza e força material que se reconheça às convenções colectivas, esta lei confere a actos administrativos a possibilidade de afastamento das garantias ou direitos consagrados em acto legislativo - a Lei que aprova o Código do Trabalho", sustenta o Requerente que parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrados no artigo 112.º, n.ºs 1 e 6, da CRP.
Resulta da formulação do pedido e do parâmetro constitucional invocado, directamente referenciado à possibilidade de "actos administrativos" afastarem garantias ou direitos consagrados em actos legislativos, que, em rigor, a questão de constitucionalidade suscitada não respeita às convenções colectivas, mas tão só aos regulamentos administrativos (sejam regulamentos de extensão ou regulamentos de condições mínimas).
21. Assim delimitada a questão, importa distinguir entre regulamentos de extensão (correspondentes às actuais portarias de extensão), através dos quais, quando circunstâncias sociais e económicas o justifiquem, se procede à extensão do âmbito de aplicação das convenções colectivas, após a entrada em vigor destas, a empregadores do mesmo sector de actividade e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área geográfica e no âmbito sectorial e profissional fixado naqueles instrumentos, ou a empregadores e a trabalhadores do mesmo âmbito sectorial e profissional, desde que exerçam a sua actividade em área geográfica diversa daquela em que os instrumentos se aplicam, quando não existam associações sindicais ou de empregadores e se verifique identidade ou semelhança económica e social; e regulamentos de condições mínimas (correspondentes às actuais portarias de regulamentação do trabalho), utilizáveis nos casos em que não seja possível o recurso ao regulamento de extensão, se verifique a inexistência de associações sindicais ou de empregadores e estejam em causa circunstâncias sociais e económicas que o justifiquem.
A doutrina, em geral, tem questionado a constitucionalidade das portarias de regulamentação de trabalho, através das quais dois Ministros (o do Trabalho e o da tutela ou responsável pelo sector de actividade) criam normas jurídico laborais, mas já não das portarias de extensão, nas quais, diferentemente das portarias de regulamentação do trabalho, os Ministros se limitam a alargar o âmbito de aplicação de uma convenção, não criando directamente cláusulas normativas novas (cf. Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, Serviço de Textos dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1998, págs. 88 89; cf. ainda Mário Pinto, Direito do Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, pág. 151, nota 218; ver, porém, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Os Regulamentos Administrativos em Direito do Trabalho, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Coimbra, 1987).
E, na verdade, tal distinção impõe se. Mesmo aceitando, como tem entendido este Tribunal Constitucional, que a portaria de extensão se apropria, fazendo seu, o conteúdo normativo da convenção, assim preenchendo as normas da portaria o conceito de norma para o efeito da sua submissão ao controlo de constitucionalidade a efectuar por este Tribunal (cf., entre outros, o Acórdão n.º 392/89), o certo é que tais regulamentos não integram qualquer produção normativa inovatória, ao contrário do que acontece com as portarias de regulamentação do trabalho (ou regulamentos de condições mínimas, na terminologia do Código).
A admissibilidade constitucional dos regulamentos de extensão radica no poder conferido à lei pelo artigo 56.º, n.º 4, da CRP, de estabelecer regras quanto à eficácia das normas das convenções colectivas de trabalho e na preocupação de, por essa via, assegurar, na medida do possível, a igualdade de tratamento dos trabalhadores. Como assinala Maria do Rosário Palma Ramalho (Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 919 923), "as portarias de extensão constituem o meio de assegurar a eficácia geral da convenção colectiva e de suprir as lacunas resultantes do funcionamento normal de um sistema convencional de regulamentação colectiva das relações de trabalho assente no pluralismo e na liberdade de associação sindical e patronal", explicando se o modus operandi da portaria de extensão "pelo objectivo de suprir a existência de vazios regulativos, mas também de assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da situação jurídica dos trabalhadores da mesma categoria ou área profissional". A isto acresce que, "do ponto de vista técnico, é forçoso reconhecer a especificidade da fisionomia da portaria de extensão, justamente pelo modo como exerce a sua função normativa": "é que, sendo a portaria um instrumento normativo público (...), o seu comando normativo não consiste na regulação directa das situações jurídicas em causa, mas em mandar aproveitar para essas situações um regime previamente definido para outras situações; só que, como sabemos, esse regime é de base convencional, foi instituído por entidades privadas, em prossecução dos seus interesses específicos e ao abrigo da sua autonomia colectiva, logo, com total independência em relação aos poderes públicos - ou seja, é um regime de direito privado". Do exposto conclui a autora citada que, "mantendo se, em termos formais, um produto do poder regulamentar do Estado, em termos substanciais o que as portarias de extensão fazem é dotar de força pública um regime jurídico de direito privado para viabilizar a sua aplicação a sujeitos privados que, por efeito dos princípios da liberdade e do pluralismo sindical que inspiram o sistema de negociação colectiva, dele estavam excluídos".
Independentemente da questão de saber se os regulamentos de extensão ainda contêm, pelos seus efeitos, uma modificação da lei num sentido proibido pelo artigo 112.º, n.º 6, da CRP, o certo é que, atentos o seu carácter não inovatório, em termos de normação substantiva, e o seu objectivo de assegurar, por relevantes razões sociais e económicas, uma uniformização