O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2039 | II Série A - Número 042 | 06 de Março de 2004

 

moldura penal nesses casos não excede os três anos, tem de haver uma disposição expressa quanto à sua punição.
4 - É ainda de ponderar o seguinte:
Com que idade da vítima é que será de relevar o pedido sério, instante e expresso da vítima?
A questão não se coloca quanto ao consentimento, uma vez que com a proposta de alteração que o CDS-PP apresenta para o artigo 149.º, pretende deixar explícito que o consentimento não pode ser considerado para excluir a ilicitude. Como atrás se disse, já hoje, segundo o artigo 149.º, o consentimento não tem relevância.
Mas a questão coloca-se relativamente àquele pedido.
As mutilações genitais são feitas muitas vezes quando a vítima ainda é uma criança.
Parece que deverá ser considerada a idade que o Código Penal exige para o consentimento (vide artigo 38.º, n.º 3, do Código Penal) - 14 anos.
Mas quid juris se a vítima tiver menos de 14 anos, e os pais ou o seu representante legal formularem esse pedido?
A questão coloca-se já que os pais ou o representante legal podem ser co-autores ou, pelo menos, cúmplices do crime.
E até, nestes casos, por força da especial censurabilidade ou perversidade, para que aponta o artigo 146.º proposto, o crime passa a ser o de mutilação genital feminina qualificada.
Poderá ser relevante o pedido formulado, em representação da vítima, por quem também é autor ou cúmplice do crime?

IV - A prevenção das mutilações genitais femininas

Não se conhece que se esteja a desenvolver qualquer programa, em Portugal, visando combater as mutilações genitais femininas.
Tratando-se de uma prática que, não devendo de qualquer forma ser admitida e tolerada, envolve por parte da própria vítima (quantas vezes!) a aceitação da ofensa; verificando-se que a própria família, incluindo os pais, desejam a mutilação, os programas de prevenção assumem particular importância. E a lei penal não pode deixar de estar enquadrada nos mesmos.
No Cairo, de 21 a 23 de Junho de 2003, reuniram-se os representantes de 38 países africanos e árabes afectados pela prática das mutilações genitais femininas para uma consulta sobre as orientações destinadas à prevenção daquelas mutilações.
Da declaração aprovada consta, nomeadamente:
Que a proibição das mutilações genitais deve ser integrada noutra legislação sobre igualdade de género, protecção relativamente a todas as formas de violência contra mulheres e crianças, direitos sexuais e reprodutivos e direitos das crianças.
Ainda segundo a declaração, a definição legal de mutilação genital feminina deve abranger todas as suas formas, e deve ser formulada nas legislações com base na definição da Organização Mundial de Saúde e em diálogo com a sociedade civil, inclusive com a comunidade médica. Contudo, e de acordo com o contexto nacional de cada país, pode ser desejável um período de sensibilização anterior à proibição no que respeita aos pais e à família.
Ainda segundo a declaração, existindo lei penal, sem uma legislação específica sobre as mutilações genitais femininas, os governos devem trabalhar com a sociedade civil, para desenvolverem uma campanha de informação por forma a que todos os membros da sociedade, particularmente os que praticam as mutilações genitais, sejam informados de que se aplicará a lei.
Trata-se, de facto, de um problema de grande melindre. A lei criminal que já existe, já deveria ter dado lugar, logo que reconhecida a existência de mutilações em Portugal, a um plano de acção conforme apontado pelos Estados subscritores da declaração, e a amplas campanhas de sensibilização e informação.
A Noruega tem em curso um plano de acção contra as mutilações genitais femininas que responde, no essencial, àquela declaração.

V - As mutilações genitais femininas violam várias convenções e dispositivos jurídicos internacionais.

De facto, as MGF violam a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10-12-48) que proíbe a tortura, os tratamentos e penas desumanas e degradantes.
Violam, além disso:
A Convenção para a Eliminação de todas as formas de violência relativas às mulheres (18-12-1979) que no seu artigo 2.º, alínea f), obriga os Estados-membros a adoptar medidas apropriadas, incluindo as legislativas, para abolir os costumes e as práticas discriminatórias relativamente às mulheres".
A Convenção contra a tortura, as penas e os tratamentos desumanos e degradantes (10-12-84) que no seu artigo 16.º convida os Estados-membros a prevenir e reprimir os actos de tortura, as penas e os tratamentos degradantes.
A Convenção sobre os Direitos da Criança (20-11. -89), nomeadamente os artigos 19.º (já atrás transcrito e ainda os artigos 24 e 24(3).
ART 24: "Os Estados-membros reconhecem à criança o direito de fruir de um nível de saúde mínimo."
ART 24(3), "Os Estados-membros adoptam medidas efectivas e apropriadas para abolir os costumes que constituem um perigo para a saúde da criança.
A Resolução das Nações Unidas (1993) sobre a violência contra as mulheres cujo artigo 2.º faz uma referência explícita às mutilações genitais femininas e a outras práticas tradicionais.
Na Quarta Conferência Mundial sobre os direitos da Mulher 1995, os Governos, as organizações intergovernamentais e as ONG, comprometeram-se, na Declaração Final e na Plataforma de Acção, a adoptar programas específicos para eliminar todas as discriminações contra as mulheres e as crianças.
Os Estados, por sua vez, comprometeram-se a renunciar a fazer valer os costumes e as tradições que podem ser lesivas das mulheres e das crianças.

VI - A situação nos países da União Europeia e nos países onde se praticam as mutilações genitais femininas

Os Estados-membros da União Europeia viram-se confrontados com o fenómeno de exportação da prática das MGF pelos imigrantes provenientes de países onde aquelas constituem um costume ainda em vigor.
Segundo estimativas pensa-se que não é um fenómeno irrisório: 30.000 vítimas no Reino Unido, perto de 28.000 na Itália acrescidas de 5000 crianças em risco, 20.000 mulheres em risco na Alemanha.
Para além da Espanha e do Reino Unido, já citados na exposição de motivos, não se conhecem outros países que