O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2037 | II Série A - Número 042 | 06 de Março de 2004

 

Nos termos do n.º 3 do artigo, o consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o sentido e o alcance no momento em que o presta.

III - Debate das questões suscitadas

Em primeiro lugar, e relativamente às mutilações genitais, importará saber quais os factos que verdadeiramente as integram, sejam mutilações genitais femininas ou masculinas.
Quanto às femininas, e de acordo com a tipificação dos proponentes, haverá uma mutilação genital feminina, sempre que, sobre a mulher, for praticada a clitoridectomia, a infibulação e a excisão, acrescentando que a mutilação genital feminina pode ser praticada por outros meios.
É na exposição de motivos que estão definidos os conceitos:
Cloridectomia consiste na prática da extracção total ou parcial do clítoris; excisão consiste na extirpação do clítoris e dos lábios menores total ou parcialmente; e infibulação consiste na extirpação de todos os genitais externos, com costura de quase todo o orifício vaginal.
A Organização Mundial de Saúde adoptou a seguinte definição de mutilações genitais femininas:
As mutilações genitais femininas, frequentemente designadas igualmente por circuncisão feminina, abrangem todas as intervenções que incluem a ablação parcial ou total dos órgãos genitais externos da mulher ou a lesão dos órgãos genitais femininos praticadas por razões culturais ou religiosas ou por qualquer outra razão não terapêutica.
Segundo a OMS, são praticados os seguintes tipos de mutilações:
Tipo I - excisão do prepúcio, com ou sem excisão parcial ou total do clítoris;
Tipo II -excisão do clitoris, com excisão parcial ou total dos pequenos lábios;
Tipo III -excisão parcial ou total dos órgãos genitais externos e sutura/ estreitamento do orifício vaginal (infibulação);
Tipo IV - Picada, perfuração ou incisão do clitoris e/ou dos pequenos e grandes lábios; alongamento do clitoris e/ou dos lábios; cauterização pelo fogo do clítoris e do tecido vizinho; raspagem (angurya cuts) do orifício vaginal ou incisão (gishiri cuts) da vagina; introdução de substâncias corrosivas ou de plantas na vagina para provocar hemorragias; enfim qualquer outra intervenção que responda à definição supra referida, das mutilações genitais.
Dado que estas definições foram aceites e recomendadas pelos países onde se pratica a mutilação, seria de seguir as mesmas.
Relativamente às mutilações genitais masculinas, encontramos inequivocamente a castração.
Contudo, nos últimos tempos, vêm alguns insistindo no enquadramento da circuncisão masculina como uma forma de mutilação genital.
A Associação contra a Mutilação das Crianças, sedeada em França, vem reclamando o tratamento da circuncisão masculina como mutilação genital invocando a Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Com efeito, dispõe o artigo 19.º desta Convenção:
"Os Estados parte adoptam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas apropriadas para proteger a criança contra toda a forma de violência, de ameaças, ou de brutalidades físicas ou mentais, de abandono ou negligência, de maus tratamentos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto estiver ao cuidado dos pais ou de um deles, do seu ou dos seus representantes legais, ou de qualquer outra pessoa a que esteja confiada."
Ora, a circuncisão masculina, segundo os peritos nesta matéria, constitui também ofensa à integridade física da criança.
No nível mais ligeiro consiste na ablação da parte saliente do prepúcio. Mas pode assumir outras formas como a amputação do prepúcio, ou a sua incisão deixando a descoberto a glande.
Os peritos nesta matéria referem também as consequências, por vezes graves, da circuncisão masculina.
A circuncisão masculina comporta perigos para a saúde que vão desde a hemorragia mais ou menos grave até à morte em certos casos.
Em todas as circuncisões de recém-nascidos, forceps e outros instrumentos são incertos na delicada pele que cobre a glande destruindo os tecidos erógenos do órgão sexual da criança. Isto causa uma dor considerável e deixa a glande exposta às infecções, delas resultando cicatrizes. A sensibilidade sexual fica comprometida.
A circuncisão torna mais difícil o orgasmo, diminui a sua intensidade e impede o prazer sexual entre os homens circuncisados e as suas companheiras, reduzindo ou constrangendo a sexualidade quer dos homens quer das mulheres.
Afirma-se ainda que causa perturbações do comportamento e outras consequências do foro psicológico.
Parece então que a circuncisão masculina corresponde a uma amputação.
Vejamos então se os factos referidos pelos proponentes como causa de mutilações genitais femininas estão já abrangidos pelo artigo 144.º do Código Penal.
Nos termos do artigo 144.º do Código Penal:
Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;
b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou
d) Provocar-lhe perigo para a vida;

é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

Ora, parece que as mutilações genitais femininas poderão estar contempladas pelo menos nas alíneas a), b) e c) do artigo 144.º.
Efectivamente, tomando em consideração que órgão é, segundo a doutrina (vide Leal Henriques/ Simas Santos) toda a parte ou componente interna de um corpo organizado, que tem uma função particular, os componentes do aparelho sexual feminino são, sem dúvida, órgãos com uma função particular.
E são órgãos importantes, pois, se prendem com a sexualidade.