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2038 | II Série A - Número 042 | 06 de Março de 2004

 

Decorre da descrição dos métodos da mutilação descritos supra, que os órgãos genitais femininos ficam desfigurados grave e permanentemente alínea a) do artigo 144.º do Código Penal.
Mas, ainda que assim não fosse, aqueles actos de mutilação preenchem também os requisitos da alínea b).
Com efeito, dado o que atrás se deixa dito, a criança, a adolescente ou a mulher é afectada, de uma maneira grave, na sua possibilidade de utilizar o corpo e, muitas vezes, também na sua capacidade de procriação.
Por último, e dadas as consequências das mutilações atrás referidas, parece não haver dúvida de que as mutilações provocam, em grande parte dos casos, doenças particularmente dolorosas e permanentes.
Dúvidas também não há de que a castração preenche este tipo de crime, nos termos quer da alínea a) quer da alínea b) do artigo 144.º.
Quanto à circuncisão masculina, desde que não seja ditada por razões médicas, cabe também nas mesmas alíneas.
Assim, parece que, ao contrário do que se diz na exposição de motivos, as mutilações genitais femininas já estão criminalizadas no artigo 144.º.
Da autonomização desse crime resultará que para as mutilações genitais infligidas aos homens se reserva o artigo 144.º do Código Penal.
Mas esta conclusão acarreta a necessidade de analisar dois outros problemas.

a) Já atrás se viu que, segundo os proponentes, se a mutilação for realizada por pedido sério, instante e expresso da mulher a moldura penal sofre um substancial abrandamento: passa de uma moldura de prisão de dois a 10 anos para uma moldura de pena de prisão até três anos.
Ao passo que para as mutilações genitais masculinas não tem qualquer relevância o pedido sério, instante e expresso. Assim, passariam a ser punidas mais gravemente as mutilações genitais masculinas do que as femininas.
b) A autonomização das mutilações genitais femininas traz à colação o problema de saber se deverá haver, ou até que ponto deverá haver, a feminização do direito penal.
Quanto às mutilações, a questão é complexa.
Na sua origem histórica a circuncisão nasceu na África Central e subsariana, ao longo dos vales dos grandes rios que são o Congo e o Níger. Aí inflige-se a circuncisão aos rapazes na puberdade no fim da iniciação. Trata-se, desde as suas origens, de uma prática de origem esotérica. O iniciado é posto ao corrente dos segredos da tribo, posto à prova, molestado, mutilado, depois ressuscitado depois de uma morte simbólica. Depois deste rito de passagem, para sempre marcado sobre o órgão do prazer e da reprodução, o rapaz torna-se um grande, é autorizado a ter uma vida de adulto e a praticar a actividade sexual. O mesmo mecanismo vale para as raparigas que, depois de terem sido amputadas do seu clítoris, perdem as suas funções eróticas, para não serem senão objectos sexuais e procriadoras.
Mas a verdade é que, pese embora o facto de a circuncisão masculina ter também consequências graves, a questão das mutilações genitais femininas coloca, em termos brutais, a questão da alienação da mulher nos sistemas patriarcais. À sujeição social e étnica comum aos dois sexos, junta-se para a mulher a dominação masculina universal.
De qualquer forma, também a circuncisão masculina tem como efeito a diminuição do prazer sexual.
A verdade é que as recomendações inseridas em textos internacionais vão no sentido da criminalização das mutilações genitais femininas.
São, na verdade, tremendas as consequências das mutilações genitais femininas para a saúde da mulher.
Segundo a OMS, as consequências imediatas e a longo prazo das mutilações genitais femininas para a saúde variam segundo o tipo e a gravidade da intervenção praticada.
As complicações imediatas compreendem dores, choque, hemorragia, retenção urinária, ulceração da zona genital e lesões dos tecidos adjacentes. Da hemorragia e da infecção pode resultar a morte.
Nos últimos tempos houve preocupação com a possibilidade do risco de transmissão do vírus da imunodeficiência humana (VIH) porque um único instrumento é utilizado para numerosas operações, mas esta questão não foi objecto de investigações aprofundadas.
Entre as consequências a longo prazo figuram quistos e abcessos, lesões da uretra determinando continência urinária, relações sexuais dolorosas, disfuncionamento sexual e problemas durante o parto.
Saúde psicosexual e psicológica: as mutilações sexuais podem marcar a memória de quem as sofreu, para toda a vida. A longo prazo as mulheres podem sofrer de um sentimento de frustração, de angústia e de depressão.
Face a isto, e considerando até os tratados e plataformas internacionais, poderá haver quem entenda que o crime de mutilação genital feminina deve ser autonomizado, já que mais não seja para que haja por parte de eventuais agressores uma melhor percepção de que causar mutilação genital feminina é um crime.
Posto isto, importa ainda questionar o seguinte:
1 - Como atrás vimos, o CDS-PP vem propor que o crime do artigo 144.º-A seja agravado quando através da mutilação genital se tenha produzido a morte. O crime passará a ser punido com a pena de três a 12 anos.
Parece que, havendo no artigo 144.º-A uma moldura penal atenuada - pena até três anos -, havendo um pedido sério e expresso da vítima não deveria nessa hipótese ser agravado o crime com a mesma moldura penal do crime praticado quando não há o referido pedido da vítima.
2 - O consentimento da vítima também não pode ser considerado para excluir a ilicitude.
Com efeito, nos termos do artigo 149.º o consentimento não pode aqui ser invocado, pois contraria os bons costumes. Porque ao apreciar-se se a ofensa contraria ou não os bons costumes, tem de se ter em consideração não só os meios empregados, como também a amplitude previsível da ofensa.
Assim, mesmo no caso de mutilações feitas por médicos (e esta é também uma prática que aparece justificada pela necessidade de garantir boas condições sanitárias), a amplitude previsível da ofensa assume tal gravidade que a exclusão da ilicitude através do consentimento estaria afastada pela parte final do n.º 2 do artigo 149.º do Código Penal.
3 - Relativamente à tentativa, ela já é punível.
Com efeito, nos termos do artigo 23.º do Código Penal a tentativa é sempre punível, pois que a moldura penal prevista no artigo 144.º é superior a três anos.
Claro que a referência expressa no artigo 144.º-A à punibilidade da tentativa têm os proponentes de a fazer, uma vez que pretendem que seja punida a tentativa nos casos de mutilações a pedido sério, instante e expresso da vítima. De acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do Código Penal, como a