O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2175 | II Série A - Número 048 | 27 de Março de 2004

 

Por último, é de assinalar algumas divergências entre a proposta de lei e a directiva, nomeadamente na referência feita na proposta de lei à integridade "moral" do sujeito de ensaio (por exemplo, na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 6.º) que na directiva é feita à integridade "mental" (por exemplo, na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º) e na lei vigente à integridade "psíquica" (por exemplo, no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 97/94) - na versão em inglês da directiva o termo é mental integrity.
Ora, os termos "moral" e "psíquica" ou "mental" não se confundem e, no caso dos ensaios clínicos, poderá estar efectivamente em causa a integridade psíquica ou mental do sujeito do ensaio, pelo que é necessário garantir essa integridade, sendo certo que a integridade moral se afigura acautelada pelo princípio da dignidade da pessoa e dos seus direitos fundamentais expresso no artigo 3.º da proposta de lei.
Por outro lado, na alínea g) do artigo 7.º da proposta de lei fala-se de "outro previsível risco relacionado com a doença e com o grau de sofrimento desta" enquanto que na alínea g) do artigo 4.º da directiva refere-se "outro previsível risco relacionado com a doença e com o grau de desenvolvimento desta" - na versão em inglês da directiva o termo é developmental stage - , o que também se afigura serem questões diferentes.
Do mesmo modo, a expressão "devendo o limiar do risco e o grau de sofrimento ser especificamente fixado e objecto de permanente verificação, a que se refere a alínea g) do artigo 7.º da proposta de lei, parece ser questão diferente de "devendo o limiar do risco e o grau de perturbação ser especificamente fixado e objecto de permanente verificação", a que se reporta a alínea g) do artigo 4.º da directiva - na versão em inglês da directiva o termo é degree of distress.
Por fim, é de mencionar, como bem faz a proposta de lei, a necessidade de audição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Comissão Nacional de Protecção de Dados, da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Médicos Dentistas e da Ordem dos Farmacêuticos, do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, bem como das associações representativas dos agentes económicos e demais parceiros do sector.
Para além das entidades referidas, devem também ser ouvidas a Associação Portuguesa de Seguros, nomeadamente sobre a questão do seguro obrigatório e a inversão do ónus, e a APIFARMA.
Finalmente, afigura-se que as alterações pretendidas pela aprovação da proposta de lei não se compadecem com uma entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação, antes exigindo um período de vacatio legis. Por outro lado, deve ser prevista e acautelada a situação dos ensaios clínicos em curso.
Aliás, a redacção do artigo 22.º da directiva aponta para a existência de uma vacatio legis razoável.

V - Comentários finais

A delicadeza e a importância da matéria versada na proposta de lei em análise, justificam um amplo leque de consultas e uma aturada análise na especialidade.
Com efeito, a proposta de lei é, simultaneamente, tradução da directiva e inovação relativamente à mesma, sendo que nuns aspectos poderia sê-lo dada a nossa especificidade, mas noutros não.
Para além das observações já efectuadas, como as relativas à necessidade de um documento escrito no caso do consentimento oral e das competências do INFARMED, outros há que importa mencionar.
Assim, destaca-se então os seguintes exemplos:
1 - Na alínea b) do artigo 2.º omite-se a referência ao sector social, constitucionalmente previsto e que deve constar.
2 - Nas definições (artigo 2.º) omitem-se os "efeitos adversos imprevistos" constantes da directiva. Porque razão, se constituem uma situação que deve ser prevista e não parece estar submida nas restantes definições atinentes.
3 - Os princípios das boas práticas clínicas não podem ser aprovadas pelo Conselho de Administração do IINFARMED (artigo 4.º). Em Portugal são competência da Ordem dos Médicos, geralmente construídos no âmbito de cada colégio de especialidade, o que significa que o próprio Bastonário não detém competência polivalente.
4 - O direito à integridade moral não está previsto na directiva. Apenas a integridade "física e mental". Esta última é ignorada no diploma em análise.
5 - A questão do seguro obrigatório é importante, mas tem que ser assegurada a possibilidade da sua realização (alínea e) do artigo 6.º). Abundam em Portugal situações em que a lei obriga à existência de seguro e as companhias não o realizam. É indispensável, pois, assegurar a audição da Associação Portuguesa de Seguradores.
6 - Os pediatras em Portugal não têm competência em pedagogia? Quem detém esta em Portugal? Os professores habilitados para o efeito? Se sim, terão que estar integrados nas equipas que realizam os ensaios em que estão envolvidas crianças? (alínea b) do artigo 7.º).
7 - O artigo 13.º apenas prevê equipas com funcionários públicos ou agentes no SNS. Os contratados individualmente, como agora será a regra na Administração Pública, não podem fazer parte da equipe?
8 - A proposta parece inviabilizar ou não contemplar:

a) A realização de ensaios clínicos com dispositivos médicos e a avaliação de técnicas cirúrgicas e não cirúrgicas;
b) A realização de ensaios clínicos por iniciativa de um investigador ou grupo de investigadores pois prevê sempre a existência de um promotor (artigo 14.º, n.º 2);
c) Os ensaios sem intervenção.

9 - Em Portugal não há médicos e dentistas. Há médicos e médicos-dentistas. Referir unicamente "dentistas" poderá fazer renascer o episódio de má-memória dos odontologistas e dos "dentistas brasileiros".
10 - A proposta cria a CEIC mas mantém as Comissões de Ética hospitalares, omitindo, relativamente a estas, o papel dos conselhos de administração das instituições onde existem. Para além disso, a centralização do processo e sua concomitante descentralização pode levar a excesso de burocracia que inviabilize a participação de investigadores portugueses face à tradicional gestão de prazos que se faz no nosso país.
11 - A presunção do artigo 12.º, pese embora ser tradução da directiva, parece estar redigida de forma demasiado abrangente. Na verdade, podem acontecer problemas