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0009 | II Série A - Número 016 | 20 de Maio de 2005

 

prática: ao que é sabido, são ainda muito raros os casos de levantamento de sigilo, num país em que a evasão fiscal é dada como uma das mais altas da Europa.
É de assinalar, ao mesmo tempo, que o processo de harmonização fiscal, em curso na União Europeia, tem determinado o levantamento do segredo bancário, definindo regras de trocas de informações entre os Estados-membros acerca das poupanças depositadas por nacionais em bancos de outros países. Presume-se que essa tendência será reforçada por novas medidas de combate coordenado à evasão fiscal. Nomeadamente a aprovação da Directiva sobre a Poupança introduz a obrigação do Estado português informar a administração tributária dos outros países comunitários sobre os montantes dos depósitos dos seus contribuintes em Portugal, para efeitos de tributação. Paradoxalmente, o fisco português, como regra geral, não tem o poder de obter a informação sobre contribuintes portugueses, embora possa obtê-la no caso de contribuintes estrangeiros.

O direito à privacidade e a obrigação fiscal

Contra esta estratégia de transparência fiscal tem vindo a ser contra-argumentado que importa priorizar o direito à privacidade e evitar fugas de capitais. Ora, o direito pessoal protegido constitucionalmente no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa garante "a reserva da intimidade da vida privada e familiar e a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação", mas, como é natural, não garante o direito de fugir à responsabilidade social através da mentira sobre a situação fiscal. Além de que os elementos sobre a situação patrimonial do contribuinte (declaração fiscal e conta bancária) integrando a sua esfera privada, não pertencem à sua intimidade pessoal e familiar no sentido mais preciso do termo.
Por outro lado, a evasão fiscal promove um regime de concorrência desleal que prejudica as empresas e os contribuintes cumpridores, favorecendo os prevaricadores. Deste modo, não há razão para temer qualquer fuga de capitais pelo facto de se defender um princípio de transparência, tanto mais que se trata de um regime de informação fiscal que já é aplicado, com sucesso e sem oposição social, nos países europeus e, em geral, nos países economicamente mais desenvolvidos.
Por tudo isso, este projecto de lei responde às incapacidades geradas pela rotina, pelos obstáculos sistemáticos e mesmo pela corrupção em alguns níveis da administração pública. Nesse sentido, apresenta as condições para um levantamento do sigilo bancário em função de regras de transparência fiscal. Segue nesta matéria as razões apontadas por Silva Lopes, em 26 Junho de 2000, para rejeitar medidas insuficientes dado que, num contexto de "cultura pouco favorável ao fisco e de tolerância das infracções fiscais", sempre que forem adoptadas condições limitativas do acesso à informação bancária "muito poucos seriam os delitos fiscais que poderiam ser detectados através do acesso da administração tributária a informações bancárias" e um sistema com restrições "abriria possibilidades de recursos e manobras dilatórias por parte de contribuintes não cumpridores e provocaria reacções negativas de contribuintes cumpridores". Em contrapartida, argumenta Silva Lopes, "se a consulta não dependesse de quaisquer condições (nomeadamente da existência de elementos que façam supor a existência de delitos fiscais), os contribuintes, tanto cumpridores como não cumpridores, não teriam razões para se queixar de perseguição fiscal", dado o carácter rotineiro e universal da verificação. Assim, "a administração fiscal deveria estar habilitada, à semelhança do que acontece em grande parte dos países da OCDE, a obter das instituições financeiras declarações periódicas sobre várias categorias de dados relativos a contas de clientes". São essas recomendações que se seguem no presente projecto de lei.
Há ainda uma razão suplementar para adoptar as recomendações de Silva Lopes e seguir a prática dos países mais desenvolvidos nesta matéria. É que os atrasos na justiça tributária, somados às ineficiências da administração fiscal e à vulnerabilidade à corrupção de um sistema que dependa de um número muito amplo de inspectores e de chefes de repartição ou outros funcionários, garantem a ineficiência prática de medidas como as que foram adoptadas até hoje. De facto, as leis actualmente disponíveis poderiam impulsionar uma investigação activa à fraude fiscal, mas confrontam-se com obstáculos institucionais até hoje insuperáveis. Em resposta, este projecto de lei propõe um procedimento simples, eficiente, tutelado pelo Ministro e sob sua responsabilidade, que garante que todos os cidadãos são sujeitos ao mesmo tipo de controlo e à mesma obrigação de transparência. E procede fora dos mecanismos habituais da administração fiscal, concentrando num pequeno grupo de responsáveis todo o controlo da verificação informática dos movimentos dos clientes das instituições financeiras e o seu cruzamento com as respectivas declarações fiscais.
O presente projecto de lei estabelece, desta forma, que as instituições financeiras são obrigadas a prestar, duas vezes por ano, toda a informação relevante acerca de todos os movimentos processados pelas contas dos seus clientes, e que essa informação seja cruzada com os dados das declarações fiscais de pessoas e empresas. Se e quando forem detectadas irregularidades, a comissão formada para gerir este processo deve determinar a acção do fisco. Tal comissão fica directamente subordinada ao Ministro das Finanças, que a nomeia, tutela e verifica o seu funcionamento.