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0022 | II Série A - Número 112 | 18 de Maio de 2006

 

deixando sempre de fora um grande número de cidadãos estrangeiros já residentes em Portugal mas que não tinham condições de cumprir as regras da regularização. Estes ficavam à espera de uma eventual regularização seguinte e assim sucessivamente.
Quando assumiu o governo em 2003, a direita criticou o princípio das regularizações extraordinárias, mas o que é certo é que promoveu duas: a primeira, o Acordo de Contratação Recíproca de Nacionais, conhecido como "Acordo Lula", celebrado em Julho de 2003 entre os Governo português e o Governo brasileiro, que permitiu a regularização de cerca de 14 000 brasileiros que apresentaram contrato de trabalho (dos 31 000 inscritos); a segunda, o pré-registo nos CTT, ao abrigo do artigo 71.º do Decreto Regulamentar n.º 6/2004, que contou com 53 000 inscrições mas um número muito reduzido de vistos de trabalho concedidos - 3145 em Outubro do ano passado.
Ao mesmo tempo, as diferentes políticas dos sucessivos governos levaram a confusão e o caos aos títulos que permitem a permanência dos cidadãos estrangeiros em território nacional. A actual lei recenseia sete vistos - de escala, de trânsito, de curta duração, de residência, de estudo, de trabalho (com quatro categorias), de estada temporária; e ainda as autorizações de residência temporária e permanente; existem ainda as autorizações de permanência, que já não são concedidas ao abrigo da actual lei, mas cujo regresso faz parte do Programa do XVII Governo Constitucional.
No meio deste emaranhado de vistos e autorizações, forçado a uma via crucis de burocracia para renovar qualquer um deles, o cidadão estrangeiro que queira residir e trabalhar legalmente em Portugal enfrenta, na prática, uma política desumana que o empurra para a exclusão. Esgotados os processos de regularização extraordinária ("Acordo Lula" e pré-registo dos CTT), a única possibilidade do cidadão estrangeiro mudar-se legalmente para Portugal (sem ser com visto de estudo ou por reagrupamento familiar) é a de obter um visto de trabalho, que depende da promessa de contrato de um empregador que não conhece e um enorme processo burocrático por parte do patrão para provar que não há um trabalhador português disponível para ocupar o cargo.
"O duplo filtro adoptado - a existência de um contrato de trabalho e a existência de vaga no contingente do referido sector de contratação -, a que se soma uma burocracia gigantesca, constitui o modelo mais restritivo de admissão de imigrantes da Europa, e provavelmente, do mundo", afirma o próprio Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, Rui Marques, num livro publicado recentemente.
"Veja a dificuldade de um modelo deste tipo", disse, por sua vez, o director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, ao Público de 29 de Agosto de 2005. "Um cidadão que se encontra do outro lado do mundo vai trabalhar com alguém que nunca viu - alguém que, por sua vez, também não sabe das qualidades do trabalhador que contrata." Para Jarmela Palos, o primeiro inspector de carreira a chefiar o SEF, a política de quotas é um falhanço rotundo. Na mesma entrevista, o director do SEF defende que se acabe com a diversidade dos vistos e que se atribuam autorizações de residência que permitam não só trabalhar em Portugal como circular noutros países da União Europeia. Critica ainda "preocupações securitárias que hoje já não fazem sentido", defendendo que "uma forma de combatermos a imigração ilegal é agilizarmos a imigração legal".
Mas agilizar a imigração legal é tudo o que não se tem feito. Muito pelo contrário: quanto mais obstáculos se interpõem à imigração legal, quanto mais burocracias se defrontam os imigrantes que querem chegar a Portugal já com um visto, mais se favorece a imigração ilegal. É que, ao contrário do que muitas vezes se faz pensar, a maior parte dos imigrantes sem documentos não atravessou as fronteiras escondido, não veio trazido por máfias, não é vítima de redes ilegais: simplesmente entrou no país com visto de turista, como é seu direito, e deixou-se ficar.
Ora, esta atitude não é muito diferente daquela que tiveram em muitas oportunidades os emigrantes portugueses. O recente caso do Canadá é eloquente em relação a este aspecto. Os portugueses que estão agora sob ameaça de expulsão no Canadá não são criminosos, e só uma mentalidade perversa pode apor-lhes o estigma de ilegais. Eles vivem no Canadá há anos, têm os filhos na escola, trabalham muito e pagam os seus impostos. Foram para aquele país na esperança de mais tarde ou mais cedo regularizar a sua situação. Mas não conseguiram. A todos nos choca ver compatriotas a serem sumariamente expulsos. Mas em que é que eles são diferentes dos milhares de indocumentados residentes em Portugal?
Num recente seminário realizado na Amadora o director da Obra Católica Portuguesa da Imigração (OCPM), Padre Rui Pedro, afirmou o empenho de "levar a sociedade e a opinião pública para uma visão mais positiva da imigração". Em declarações à Agência ECCLESIA, o director da Obra Católica salientou a necessidade de não olhar para imigração "do ponto de vista da pobreza, mas de ver nisso uma oportunidade providencial, para uma nova sociedade que está a surgir (…)".
O Padre Rui Pedro lembrou ainda que "a imigração não pode ser entendida sem a emigração" e, neste momento em que há problemas com pessoas em situação irregular, oriundas do Brasil, Ucrânia e África, também se percebe que "a história da emigração portuguesa esteve e está marcada pela irregularidade".
Por isso afirmou: "queremos dar o nosso contributo e reafirmamos o nosso compromisso de estar próximo dos irregulares. De ter esta opção preferencial pelos mais vulneráveis, quer estejam em Portugal quer sejam portugueses lá fora", concluiu.