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0014 | II Série A - Número 005 | 06 de Outubro de 2006

 

comissões de certificação, que têm de autorizar a interrupção, falta de meios, objecção de consciência dos clínicos ou desconhecimento de como devem encaminhar o processo. Estas situações acabam por prejudicar a mulher que legalmente tem direito a abortar, mas cuja burocracia e prazos inviabilizam o aborto".
Contudo, não podemos ignorar que a maioria das mulheres portuguesas não tem recursos nem conhecimentos para se deslocarem a Espanha e recorrem a qualquer tipo de solução que lhes afigure como viável. No mesmo Diário de Notícias podemos ler:

"O aborto é uma realidade que atravessa toda a sociedade. Mas enquanto que as mulheres socialmente mais favorecidas encontram alternativas, as provenientes de estratos económicos mais baixos são muitas vezes obrigadas a entrar nos circuitos clandestinos quando desejam interromper uma gravidez. Mas que dimensão tem esta realidade? Um estudo da Associação para o Planeamento da Família (APF) em oito bairros sociais das Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa - entre os quais estão Aldoar, Rio Tinto, Chelas, Casal de Cambra e Cruz de Pau - revelou números muito problemáticos. Um inquérito realizado junto de uma amostra dos habitantes (constituída por cerca de mais de 410 pessoas) aponta que 30% das mulheres (ou companheiras dos inquiridos) já tinham realizado uma interrupção voluntária da gravidez (IVG). A grande maioria dessas mulheres apenas tinha feito um aborto, mas 18% tinha feito dois e 12% três ou mais IVG. Importante é também o facto de uma em cada cinco mulheres dos bairros sociais que admitiram ter efectuado um aborto disse ainda ter sofrido complicações em sequência dessa intervenção. Recorde-se que a IVG é a segunda causa de morte materna em todo o mundo e a primeira em mães adolescentes."

De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, 11 089 mulheres recorreram aos hospitais em 2002 com problemas derivados de interrupção da gravidez, das quais cinco morreram. Em 2003 o aborto clandestino levou uma média de três mulheres por dia aos hospitais, de acordo com a mesma Direcção-Geral.
A estimativa da Associação Portuguesa de Planeamento Familiar aponta para previsões entre os 20 a 40 000 casos de aborto clandestino em Portugal, por ano.
São razões suficientes para se considerar que, na sociedade portuguesa, a consciência acerca da desadequação da legislação em vigor se tem vindo a reforçar.

Uma questão europeia essencial

A penalização do aborto priva as mulheres de exercerem na sua plenitude os seus direitos sexuais e reprodutivos e é, só por isso, uma questão política. A Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, da Federação Internacional de Planeamento Familiar, afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro". A Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pelo Estado português, declara, no seu ponto 96, que "os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, discriminação ou violência". Recentemente, a missão americana para a revisão da Plataforma apresentou uma proposta de emenda ao documento para que do texto constasse que o aborto não era considerado um direito humano, tendo optado por retirar a sua proposta face à oposição de vários países, sobretudo os europeus.
Os depoimentos que chegam através de linhas de atendimento a mulheres sobre situações vividas perante uma gravidez que tiveram que interromper mostram até que ponto se exerce todos os dias uma tal violência.
Sabemos também que o direito de escolher uma maternidade ou paternidade conscientes é limitado muitas vezes por condições sociais graves - problemas de habitação, discriminação do emprego com ameaça de desemprego por causa de gravidez e incapacidade económica de criar uma criança em ambiente de dignidade que lhe permita desenvolver o seu potencial humano. O facto da maternidade permanecer a principal causa de discriminação no emprego não é alheio à escolha que muitas mulheres são obrigadas a fazer, sendo nesse contexto penalizadas pelo facto de serem mães. Mas sabemos também que a interacção entre factores sócio-económicos e a escolha entre o aborto e uma gravidez evolutiva é complexa. Interromper uma gravidez não é apenas opção das mulheres com menores hipóteses económicas. Faz parte de um direito de opção que não pode ser negado.
Nesse sentido, a Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Oportunidades do Parlamento Europeu apreciou e aprovou o projecto de relatório que recomenda a legalização do aborto em todos os Estados-membros da União Europeia, o qual posteriormente foi aprovado pelo Parlamento Europeu - Resolução publicada no JO C 271 E/369, de 12 de Novembro de 2003.
A resolução do Parlamento Europeu considera, nomeadamente, que "as mulheres e os homens devem ter a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, informadas e responsáveis, no que toca à sua saúde sexual e reprodutiva e aos seus direitos, sem perder de vista a importância da saúde dos outros, e dispor dos meios e das possibilidades para o fazerem (…) que foram efectuados estudos que apontam para um menor número de abortos nos Estados-membros que combinam uma legislação liberal em matéria de interrupção da gravidez com uma educação sexual eficaz, a existência de serviços de planeamento familiar de alta qualidade e de um