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75 | II Série A - Número: 045 | 11 de Março de 2010

homens fazendo trabalho igual. Das mulheres que fazem trabalho intermitente, trabalho não permanente, das mulheres que trabalham por turnos enquanto a criança lá em casa tenta conciliar o sono na gaveta da cómoda.
É na sua voz que podemos ouvir Maria Velho da Costa, «Elas são quatro milhões, o dia nasce e elas acendem o lume. Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas mondam os dedos tolhidos de frieira e urtigas. Elas acertam em duzentos casacos a postura da manga onde cravar o botão. Elas limpam o suor da testa com a manga e a foice rebrilha ao sol por cima da cabeça e da seara. Elas batem à máquina palavras que não entendem. Elas arquivam por ordem alfabética duas mil fichas e elas carregam no botão da caixa e fazem quinhentos trocos miúdos. Elas metem a cavilha, dizem outro número e passam a vigésima chamada. Elas mexem panelões que lhes chegam à cinta. Elas descem doze caixotes de lixo já noite fechada.
Elas fazem todas as camas e despejos de uma família alheia. Elas põem trinta e duas arrastadeiras e tiram sessenta temperaturas. Elas pintam unhas de homem. Elas guardam sanitas e fazem renda em pequenos cubículos sem janela».
Mas é também na voz revolucionária de Clara Zetkin que ainda ouvimos Maria de apelido Velho da Costa: «Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas».
Elas… que continuam a arcar com as tarefas domçsticas e que, por isso mesmo, vêem tardar o dia da sua libertação.
Elas que, pelo mundo inteiro, ainda estão obrigadas, por regimes feudais, a sujeitar-se à vontade do marido, como aconteceu nas ditas eleições democráticas no Afeganistão, em que o recenseamento foi feito pelos maridos.
Elas, que se vêem submetidas à vontade do ocupante militar do Haiti, no meio de destroços e de lágrimas.
Elas, que fazem parte das 6,3% de desempregadas no universo global e mundial dos 193 milhões de desempregados.
Elas que ainda ouvem falar de Beijing e da Grande Esperança que aparecia no Oriente.
Elas que, teimosamente continuam com a ONU na busca da igualdade perdida.
Elas que proclamam que a conquista da igualdade, por maiores escolhos que surjam das margens do rio da vida, é um dado certo e adquirido. Como o voo da andorinha que busca a Primavera incerta.
Neste centésimo aniversário da proclamação do Dia Internacional da Mulher, a Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, delibera:

— Assinalar anualmente o dia 8 de Março, dia Internacional da Mulher, como símbolo da luta de todas as mulheres pela igualdade e pela paz.

Assembleia da República, 8 de Março de 2010 Os Deputados do PCP: Rita Rato — Bernardino Soares — António Filipe — Miguel Tiago — Agostinho Lopes — João Oliveira — Honório Novo.

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