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II SÉRIE-A — NÚMERO 40

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– Treino e performance – A evidência científica demonstra que os atos de performance na presença de

espectadores causam stress severo aos animais. O stress é causado pela restrição de movimentos, luz artificial,

exposição a volume de som alto e aversivo ou temperatura inadequada para os animais. No que diz respeito ao

treino, este compromete fortemente o bem-estar dos animais já que os métodos de treino incluem punições

físicas e emocionais, com vista a usar o medo para a subalternização do animal. Não é por nada que a pessoa

que treina o animal é comummente designada por “domador”. Domar um animal é o processo que envolve a

mudança do comportamento do animal, mas não a sua composição genética. Neste processo os animais são

obrigados a submeterem-se aos humanos. E mesmo para aqueles animais que tendo sido já reproduzidos em

cativeiro, a verdade é que estes animais criados em circos são idênticos aos seus congénitos selvagens. Eles

expressam a mesma motivação para a prática dos comportamentos específicos da sua espécie assim como os

seus instintos também não são afetados3. Como resultado desta dominância de animais selvagens em cativeiro,

estes são muitas vezes imprevisíveis e em circunstâncias stressantes suscetíveis de se tornarem agressivos. O

argumento de que alguns destes animais já se encontram domesticados não vinga visto que o termo

"domesticado" refere-se a animais que resultam de um processo seletivo de longa duração. Ao longo de muitos

milhares de anos poucas espécies foram domesticadas, outras não se conseguiram domesticar mesmo depois

de muitas gerações de criação seletiva4. Uma espécie animal é considerada doméstica quando sofreu alterações

genéticas que alteram a aparência, a fisiologia e, consequentemente, o seu comportamento5. Este longo

processo exige seleção para traços específicos por muitas gerações em linha, o que pode significar muitas

dezenas de anos ou mesmo séculos dependendo do rigor da seleção e da taxa de reprodução das espécies em

questão6.

Também é comum que algumas espécies de animais sejam mais propícias a desenvolver hérnias, resultado

da obrigatoriedade de reiteradamente assumirem posições não naturais durante o treino e performances.

– Perigo para a saúde pública – A combinação da natureza temporária da acomodação durante a viagem e

a proximidade dos animais com as pessoas durante as performances importam um risco elevado de acidente

ou fuga. O que, por sua vez, implica sérios riscos para a saúde pública e segurança. Existem vários incidentes

documentados de fuga ou lesões causadas por animais selvagens em toda a Europa. Desde 2005 registaram-

se pelo menos oito acidentes ou fugas de grandes felinos, doze acidentes ou fugas de elefantes, bem como fuga

de um urso e de um crocodilo. Alguns dos incidentes resultaram em ferimentos graves, ou mesmo morte, para

pessoas ou para os próprios animais. Veja-se o caso recente de um tigre em França que tendo escapado do

circo que o detinha acabou por ser morto a tiro por se considerar ser um perigo para terceiros.

Das espécies mais populares nos circos são os elefantes e os grandes felinos, estas são espécies altamente

sociais no seu habitat natural, sendo este apenas mais um dos motivos pelos quais os circos demonstram ser

inadequados para a detenção destes animais. Os elefantes têm dinâmicas familiares semelhantes às dos

humanos. Segundo Cynthia Moss, reconhecida especialista em paquidermes que durante treze anos os

observou no Parque Nacional de Amboseli no Quénia7, esta espécie possui uma rede de vínculos sociais muito

mais complexa, por exemplo, que a de outros mamíferos superiores, como os gorilas ou chimpanzés. Tal como

nas sociedades humanas, a família ocupa o lugar central na vida dos elefantes. Uma família de paquidermes é

composta entre dez a trinta espécimes, dirigidos por uma velha e experiente elefante fêmea. As mães em fase

de amamentação e os bebés-elefante, que as seguem por toda a parte, recebem proteção e cuidados especiais

dos outros membros da família, incluindo outras mães. Fora desses estreitos laços familiares, uma manada de

fêmeas e filhos marchando em fila também mantém contacto com outras manadas em busca de comida. Se a

vegetação for abundante após a época das chuvas, nos meses de janeiro e fevereiro, mais de cem animais

podem reunir-se de madrugada ou no fim da tarde para pastar em grupo. Outra missão coletiva é afugentar

inimigos, como é o caso dos leões. Se alguma cria for atacada, as fêmeas, não importando a sua relação familiar

com a vítima ou sua posição hierárquica dentro da manada defenderão com toda força a cria. Como bem se

entende, toda esta dinâmica familiar é absolutamente impossibilitada pela extração dos elefantes do seu habitat

natural, da sua família, pelo seu confinamento, pelo não convívio com outros seres da sua espécie ou pela

impossibilidade de criar dinâmicas de grupo idênticas às vividas em liberdade.

3 Price, 1984; Price, 1999 4 Price, 1984. 5 Ricker et al., 1987; Price, 1999. 6 Belayev, 1979; Trut, 1999. 7 Elephant Memories: Thirteen Years in the Life of an Elephant Family, 2000.