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II SÉRIE-A — NÚMERO 70

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tida em conta no desenho das medidas e das respostas dadas a cada caso.

Relativamente às denominadas incapacidades dos maiores, o Código Civil ocupa-se das interdições – artigos

138.º a 151.º – e das inabilitações – artigos 152.º a 156.º. Não define as primeiras, mas pode extrair-se a ideia

de que se trata de um instituto aplicável a maiores que, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, se

mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens, equiparando-o, com as necessárias adaptações, ao

menor. No tocante à inabilitação, a lei considera as mesmas “anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira”,

permanentes mas não tão graves que justifiquem a interdição: a pedra de toque está, pois, na gravidade da

deficiência e nas suas consequências. Por outro lado, a prodigalidade, o abuso de bebidas alcoólicas ou de

estupefacientes podem determinar a inabilitação nos casos em que o visado fique incapaz de reger

convenientemente o seu património.

São múltiplas e evidentes as causas de desadequação deste regime. Desde logo a rigidez da dicotomia

interdição/inabilitação que obsta à maximização dos espaços de capacidade de que a pessoa ainda é portadora;

o carácter estigmatizante da denominação dos instrumentos de proteção; o papel da família que ora dá, ao

necessitado, todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios

prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, perturbador do recato e da reserva pessoal e familiar

que sempre deveria acompanhar situações deste tipo.

Tudo isto compele a uma reforma ambiciosa, atenta, quer à experiência de ordens jurídicas culturalmente

próximas da nossa, quer aos instrumentos internacionais vinculantes para a República Portuguesa, com relevo

para a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

adotada em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 7 de maio, e

ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho.

Os fundamentos finais da alteração das denominadas incapacidades dos maiores – ordenada pela sua

integração harmónica no Código Civil, assim obstando a quebras sistemáticas que dificultem a sua aplicação e

façam perigar os objetivos prosseguidos – são, em síntese, os seguintes: a primazia da autonomia da pessoa,

cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível; a subsidiariedade de quaisquer

limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com

recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns, próprios de qualquer situação familiar; a

flexibilização da interdição/inabilitação, dentro da ideia de singularidade da situação; a manutenção de um

controlo jurisdicional eficaz sobre qualquer constrangimento imposto ao visado; o primado dos seus interesses

pessoais e patrimoniais; a agilização dos procedimentos, no respeito pelos pontos anteriores; a intervenção do

Ministério Público em defesa e, quando necessário, em representação do visado.

Para prosseguir estes objetivos, opta-se, por um lado, por um modelo monista – em claro detrimento de um

modelo de dupla via ou múltiplo – por se considerar ser o dotado de maior flexibilidade e de amplitude suficiente,

por compreender todas as situações possíveis, e por outro, por um modelo de acompanhamento e não de

substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização

da sua vontade. Por comparação com o regime atual, é radical a mudança de paradigma. Este modelo é o que

melhor traduz o respeito pela dignidade da pessoa visada, que é tratada não como mero objeto das decisões

de outrem, mas como pessoa inteira, com direito à solidariedade, ao apoio e proteção especial reclamadas pela

sua situação de vulnerabilidade.

Num outro aspeto, julga-se preferível um modelo estrito em vez de um regulamentar. Opta-se, assim, por

alterações tanto quanto possível claras, simples e de fácil apreensão, não se efetuando distinções nem fixando

procedimentos excessivamente minuciosos que, são sendo estritamente indispensáveis, introduzem

complexificações desnecessárias.

Em face destas escolhas estruturantes, a modificação do nomen iuris do instituto é meramente

consequencial. Optou-se pela denominação “maior acompanhado”, por ser a que, além de evitar qualquer efeito

estigmatizante, põe em relevo a irrecusável dignidade, quer da pessoa protegida, quer da pessoa que protege.

Embora fiel às suas finalidades, trata-se de uma reforma contida: cinge-se, no essencial, aos artigos 138.º a

156.º do Código Civil e modificam-se, ao mínimo, as regras processuais inscritas nos artigos 891.º a 905.º.

Reflexamente, são alterados diversos outros preceitos, como a alínea b) do artigo 1601.º (casamento), o n.º 1

do artigo 1850.º (perfilhação), a alínea b) do n.º 1 do artigo 1913.º (poder paternal) e a alínea b) do artigo 2189.º

(testamento), do Código Civil. Quando às demais normas dispersas por vários diplomas, não obstante efetuar-

se uma remissão de ordem geral, altera-se expressamente o que se considera mais emblemático ou sensível.