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II SÉRIE-A — NÚMERO 77

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geral, desvalorizada pela historiografia, em particular a estado-novista, que muito naturalmente pôs a ênfase

no que designou de «reconquista» cristã. Tal é visível no afã do regime em, através do «restauro» de

monumentos e edifícios, procurar expurgar os elementos que supunha serem avessos à «pureza» original do

estilo da reconquista: o românico. A Sé foi um desses monumentos, tendo sido expurgada, em 1940, de todos

os elementos que não se coadunassem com tal estilo, nomeadamente a talha dourada do século XVIII.1

O discurso e a praxis da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) face aos achados arqueológicos da

mesquita aljama medieval islâmica de al-Ushbuna na ala sul do claustro da Sé, relativizando a sua importância

, tem sido muito contestada, pois demonstra uma visão já ultrapassada, ao determinar, neste caso, o que lhe

parece ser digno de preservar ou de musealizar. E isto é tanto mais grave quanto, à exceção dos casos mais

conhecidos de Mértola e Silves, não existem muitas estruturas islâmicas devidamente enquadradas e

musealizadas em Portugal.

Entre o final do mês de setembro e meados de outubro passados, houve um debate público, inclusive nos

media, sobre estes achados arqueológicos. Apesar do parecer negativo de todos os técnicos envolvidos, a

DGPC, através de um ato administrativo, decidiu pela afetação do complexo monumental de estruturas

arqueológicas interpretadas como integrantes da mesquita aljama medieval islâmica de Lisboa com o

argumento de que a sua preservação colocava em risco de ruína o claustro e a própria catedral. Tal posição

foi imediatamente denunciada por diversos arqueólogos, historiadores e outros investigadores no espaço

público, chamando a atenção para o valor patrimonial, cultural e simbólico elevadíssimo destes achados,

garantindo que a sua preservação não ameaçava a estabilidade do claustro e da Sé de Lisboa, logro que

esteve na base de toda a polémica. Acresce que o Ministério da Cultura decidiu que os achados arqueológicos

deviam ser preservados, musealizados e integrados no projeto de recuperação e musealização da Sé

Patriarcal de Lisboa, obrigando a DGPC a reverter a sua posição e a promover a alteração do projeto de

arquitetura de forma a cumprir a decisão da Ministra da Cultura.

Entretanto, foi apresentada à DGPC uma proposta de classificação do conjunto arqueológico urbano

conservado no claustro da Sé Catedral de Lisboa, incluindo as ruínas da Mesquita aljama de al-Ushbuna.

Porém, parece que a salvaguarda desta última ainda não está garantida, porquanto a DGPC fez sair um

comunicado no início de Janeiro alegando que os achados não são da mesquita, com base em pareceres de

quatro investigadores que não são especialistas em arqueologia islâmica de Lisboa e omitindo outros

pareceres, nomeadamente da Associação dos Arqueólogos Portugueses e do Conselho Internacional dos

Monumentos e Sítios (ICOMOS), e a proposta de classificação subscrita por dois renomados historiadores

especialistas em Lisboa islâmica.

Acresce ainda que as duas arqueólogas especialistas em arqueologia islâmica de Lisboa, que são quem

dirige os trabalhos arqueológicos, funcionárias da própria DGPC, Alexandra Gaspar e Ana Gomes, foram

ignoradas. São então estas, segundo a também arqueóloga da DGPC, Jacinta Bugalhão, «as únicas

investigadoras que têm acesso aos dados necessários à elaboração de fundamentadas hipóteses

interpretativas e que são elas que, em primeiro lugar, têm o dever de os estudar e publicar.» Nesse sentido,

será com base no seu trabalho que a comunidade científica deve desenvolver a «subsequente discussão e

avaliação interpares».2

Uma vez que a escavação e a investigação ainda decorrem, quaisquer interpretações são preliminares e

carecem de debate académico e publicação. À DGPC não deve caber decidir a existência ou não de vestígios

da mesquita aljama medieval islâmica de Lisboa sob o claustro da Sé, nem decidir sobre o bom andamento da

obra, mas sim a defesa integral do superior interesse público, tal como enunciada na sua missão estabelecida

pelo n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 115/2012, de 25 de maio: «assegurar a gestão, salvaguarda,

valorização, conservação e restauro dos bens que integrem o património cultural imóvel, móvel e imaterial do

País, bem como desenvolver e executar a política museológica nacional.»3

O projeto de arquitetura deve, nesse sentido, ser revisto e adaptado, nomeadamente através da

preservação, valorização e integração museológica das estruturas monumentais islâmicas, por forma a que

sejam visíveis e visitáveis, como defendem especialistas em arqueologia islâmica de Lisboa, como Jacinta

1 Cf. Maria João Neto, Memória, Propaganda e Poder. O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960) (Porto: Faculdade de

Arquitetura do Porto Publicações, 2001). 2 Jacinta Bugalhão, «As ruínas da mesquita aljama medieval islâmica de Lisboa, episódio de Janeiro», Archport (19 de janeiro 2021),

http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg27810.html 3 http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/dgpc_enquadramento_legal/115_2012_dgpc.pdf

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