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1 DE MARÇO DE 2021

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O caminho de alguma investigação científica mais recente reforça esta ideia e aponta, pois, para a

identificação de uma língua mista, nascida a partir de processos próprios do bilinguismo (neste sentido, por

exemplo, os trabalhos de Joseph Clements, Patrícia Amaral e Ana Luís), para os quais contribuem de forma

determinante as condições geográficas, históricas, culturais e sociais

Ainda que possa subsistir o debate científico em torno da sua classificação, todos os autores e investigadores

são unânimes na deteção de uma manifestação cultural imaterial identitária clara e merecedora da proteção e

valorização.

Efetivamente, de acordo com as diretrizes de vários organismos internacionais em matéria de defesa e

proteção das línguas minoritárias e ameaçadas, e ao abrigo da Convenção para a Salvaguarda do Património

Cultural Imaterial da UNESCO, aprovada a 17 de outubro de 2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da

República n.º 28/2008, de 26 de março, entende-se por património cultural imaterial «as práticas,

representações, expressões, conhecimentos e aptidões (…) que as comunidades, os grupos e, sendo o caso,

os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural». Esta disposição da

convenção manifesta-se, entre outros domínios, nas «tradições e expressões orais, incluindo a língua como

vetor do património cultural».

Assim, a língua pode e deve ser entendida como uma prática ancestral e uma tradição cultural, reflexo da

especificidade local, o que está em sintonia com as recomendações que, desde a década de 90 do passado

século, já propunham várias organizações que defendiam a consagração universal do valor cultural das línguas,

sobretudo as minoritárias ou ameaçadas.

O Barranquenho, uma língua híbrida, ainda que sem tradição escrita, única no mundo pelo seu carácter misto

de português e espanhol, falado pelos cerca de 1300 residentes e por todos os naturais do concelho há vários

séculos, constitui, pois, um lugar de encontro de culturas peninsulares. Guarda um resquício da literatura oral

peninsular e, provavelmente, o último vestígio das origens da cultura musical procedente da zona nordeste

portuguesa, entre muitas outras especificidades, relacionadas com as tradições orais, musicais, culturais,

costumes, culinária, artesanato, formas de fazer…

A vitalidade que o Barranquenho evidencia não permite, contudo, afastar todas as ameaças que pairam sobre

a sua subsistência. Em primeiro lugar, e como resulta da abordagem adotada pela UNESCO na avaliação da

matéria, qualquer língua falada por menos de 5000 pessoas tende a considerar-se ameaçada, pelo que a

evolução dos atuais números de falantes do Barranquenho é um primeiro motivo de preocupação.

A esta realidade acresce o facto de o envelhecimento dos falantes e o desaparecimento da geração mais

velha poderem traduzir-se na perda irreparável deste património linguístico caso se verifique uma ausência da

adoção de medidas.

Finalmente, neste contexto, o menor isolamento físico do território que o desenvolvimento da região e dos

meios de comunicação e transporte acarretou, bem como a presença intensa do Português como língua da

administração, da escola, dos meios de comunicação e das terras vizinhas, podem contribuir igualmente para

um risco de assimilação pela língua oficial.

É, pois, fundamental e urgente preservar o Barranquenho, porque o envelhecimento dos falantes e o

desaparecimento da geração mais velha podem traduzir-se na súbita perda irreparável deste património

linguístico inestimável. Importa, pois, assegurar que sejam adotadas medidas políticas concretas para a sua

salvaguarda.

Perante este desafio, importa assinalar que o papel dos órgãos autárquicos nesta estratégia de valorização

tem sido verdadeiramente determinante. Em 1999, a Câmara Municipal de Barrancos criou o Grupo de Estudos

do Barranquenho (GEB) e, em 2008, deu novo passo fundamental procedendo à classificação do Barranquenho

como Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal, apontando o caminho para o desenvolvimento de

uma política linguística estruturada e com ações concretas de valorização, reconhecimento e proteção. Esta

ação dinâmica e empenhada traduziu-se em parcerias com a academia (Universidade de Évora, Centro de

Linguística da Universidade de Lisboa, Universidade Complutense de Madrid), na colaboração com a Direção

Regional de Cultura do Alentejo e outros organismos públicos e privados e em inúmeros congressos e

conferências dedicados ao Barranquenho.

Entre outras, e com maior relevo para esta dimensão, cumpre referir em particular o trabalho que se está a

desenvolver, em parceria com a Universidade de Évora, vertido num Programa de Preservação e Valorização

do Património Linguístico e Cultural de Barrancos, com vista ao reconhecimento do Barranquenho como língua