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II SÉRIE-A — NÚMERO 89

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razões e identificam soluções concretas para colmatar insuficiências existentes no Direito e na prática.

Das várias recomendações da FRA e do Comité de Ministros do Conselho da Europa, destacamos, por

exemplo, a necessidade de criar condições para que a criança seja sempre ouvida, a existência de formação

especifica para os profissionais que trabalham com crianças, a existência de salas adaptadas para audição, a

garantia do direito à informação da criança durante todo o processo, o seu acompanhamento por pessoa de

confiança, a gravação das audições e o direito à não discriminação.

A legislação nacional, nomeadamente o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º

141/2015, de 8 de setembro, já contempla na generalidade estas preocupações. Contudo, na prática estas

nem sempre são cumpridas, como demonstra o 1.º Relatório do Observatório de Crianças e Direitos,

denominado «Os Direitos das Crianças envolvidas no sistema judicial», datado de 2019.5

Este relatório analisa situações concretas que ocorreram nos Tribunais de Família e Menores e Criminais

que envolveram crianças e compara os dados recolhidos com as recomendações da FRA. Da análise dos 7

casos em apreço resulta que a esmagadora maioria dos indicadores (42) não foram contemplados, tendo sido

alcançados apenas dois que foram «Estava um número reduzido de pessoas presentes na audição?» e

«Observou-se a ausência do réu ou de outras partes?». Ficam de fora condições essenciais para a audição

das crianças como, por exemplo, a garantia do apoio profissional e pessoal, o direito à informação sobre o

processo e os seus direitos, a preparação para a audição, a existência de salas adaptadas para audição, a

adequação da linguagem utilizada e a não utilização de gravações em vídeo.

Contudo, há determinados aspetos em que consideramos que os direitos das crianças não se encontram

plenamente salvaguardados na legislação. Por isso, com o presente projeto de lei alteramos o Regime Geral

do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, reforçando o direito das

crianças à participação efetiva nas decisões que lhes digam respeito.

Em primeiro lugar, verifica-se que, em muitos casos, as crianças continuam a não ser ouvidas e a sua

vontade nem sempre é respeitada. Assim, propomos uma alteração ao artigo 4.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de

setembro, prevendo que esta deve ser sempre ouvida quando tenha capacidade de compreensão dos

assuntos em discussão e quando consiga expressar-se, eliminando-se a referência à maturidade. Depois,

propomos uma alteração ao artigo 5.º da mesma lei, no sentido de garantir o respeito pela opinião da criança.

A audição da criança não pode ser vista como um mero formalismo, devendo a sua opinião ser devidamente

tida em conta pelas autoridades judiciárias.

Depois, propomos o reforço do direito à informação das crianças, prevendo que, para além do direito a

serem informadas sobre o significado e alcance da audição, deve também lhes ser dado posteriormente

conhecimento do resultado e consequências da mesma. Isto porque, na prática, nem sempre é dado retorno à

criança sobre a forma como correu a audição, o resultado do processo e de que forma a sua opinião foi

considerada. A criança deve ter conhecimento sobre todo o processo para que compreenda efetivamente a

necessidade da sua intervenção, não sendo por isso compreensível que esta não seja devidamente informada

sobre o seu desfecho. Assim, informar a criança sobre o resultado da audição é uma forma de garantir que as

suas opiniões não são apenas ouvidas, mas também tomadas em consideração, para que a audição não seja

um ato meramente formal.6

Para além disso, conforme ditam as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa, os direitos

das crianças devem ser assegurados sem qualquer discriminação em razão, nomeadamente, do sexo, raça,

cor ou origem étnica, idade, língua, religião, opinião política ou outra, nacionalidade ou origem social, meio

socioeconómico, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, orientação sexual ou identidade de

género.

Contudo, subsistem na prática judiciária situações de discriminação, nomeadamente de crianças surdas ou

que não dominam a língua portuguesa, cuja audição ocorre ainda com menos frequência do que a das

restantes crianças.

A título de exemplo, investigação já realizada neste âmbito demonstrou que existe uma dificuldade, na

prática, em ouvir crianças com nacionalidade diferente da portuguesa, sendo que esta pode ser motivada por

5 Cfr. https://www.dignidade.pt/relatorio

6 No mesmo sentido, LEITES, Sara Cristina da Silva, «A audição judicial de crianças em processos de promoção e proteção: memórias de

jovens adultos e práticas em Tribunal», Dissertação de Mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade, Universidade do Minho, 2014.