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II SÉRIE-A — NÚMERO 114

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no interior dos veículos onde são conduzidos à esquadra. Note-se que nem sempre é possível ao

queixoso identificar o agente em causa, ou que o processo de identificação é obstruído pelos próprios

agentes».

Como declara Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE4, «O poder de proceder a identificação de suspeito em

lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial é um dos poderes cautelares do órgão de polícia

criminal. Pode ser exercido numa fase pré-processual, mas tem natureza processual, isto é, preordenada aos

fins do processo a instaurar ou já instaurando, perdendo-se, assim, a natureza estritamente preventiva da

medida (...)». No seu acórdão n.º 479/945, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a sujeição a

identificação policial de uma pessoa que não seja suspeita da prática de um crime, com base na invocação de

razões de «segurança interna». Na sua argumentação, expôs que: «O princípio da tipicidade legal impõe que

os atos de polícia, além de terem um fundamento legal, devem traduzir-se em procedimentos individualizados e

com conteúdo suficientemente definido na lei, seja qual for a sua natureza: quer sejam regulamentos gerais

emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares, medidas de coerção ou operações de

vigilância, todas as medidas de polícia estão sujeitas ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal. O

princípio da proibição do excesso, por seu turno, acarreta uma obrigatória subordinação das medidas de polícia

aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Com ele reafirma-se enfaticamente o princípio

constitucional fundamental em matéria de atos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais, em

termos de tais atos só deverem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa,

sacrificando ao mínimo os direitos dos cidadãos». Ora, o artigo 250.º do Código de Processo Penal, ao atribuir

aos órgãos de polícia criminal a competência de proceder à identificação de qualquer pessoa, sempre que sobre

ela recaiam suspeitas «de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional» acaba por

criar um espaço de elevada discricionariedade no que respeita à conduta policial, uma vez que a lei é omissa

quanto aos critérios a adotar para discernir se determinado indivíduo penetrou ou permanece irregularmente no

território nacional. Permanece a questão: quais são os parâmetros utilizados pelos órgãos de polícia criminal

para identificar se determinada pessoa entrou ou permanece irregularmente no território nacional? Quais são

as características de um estrangeiro?

Nesse sentido, o estudo em apreço conclui, portanto, que «a legislação – nomeadamente o artigo 250.º

do CPP –, [ao misturar critérios de natureza criminal com critérios de natureza contraordenacional],

permite que sejam criadas as condições para que, os cidadãos racializados, considerados como

potenciais suspeitos pratica de crimes, se encontrem numa situação especialmente vulnerável, e

sujeitos a práticas de assédio policial. Em menor medida, o mesmo se poderia dizer em relação a cidadãos

de nacionalidades do denominado leste da Europa (principalmente queixosos de nacionalidade ucraniana e

romena), ou do Brasil».6

É de realçar, igualmente, que a pessoa visada pela ordem de identificação deve ser um suspeito, isto é,

uma pessoa em relação à qual haja «fundadas suspeitas» da prática de uma infração criminal. Contudo, «a

permanência de cidadão estrangeiro em território português por período superior ao autorizado constitui

contraordenação»7, e não uma infração criminal. A redação atual do artigo 250.º do Código de Processo Penal

contribuiu, portanto, para a criação de uma confusão entre estes dois domínios, justificadamente distintos e que,

portanto, devem ser alvo de tratamentos diferenciados.

A violência policial é uma realidade frequente em Portugal, que urge ser combatida e eliminada. Segundo as

conclusões do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT), que opera no âmbito do Conselho da

Europa, num relatório publicado a 13 de novembro de 2020, no seguimento da sua visita ad hoc a Portugal em

dezembro de 2019, «As autoridades portuguesas têm de reconhecer que os maus-tratos perpetrados por

agentes policiais são uma realidade, e não resultam apenas de ações de alguns agentes

transgressores». O relatório alerta que «não foi feito o suficiente para reconhecer e atacar o real e

persistente problema dos maus tratos pelas forças de segurança que existe em Portugal.»8 Já a chefe da

4 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, p. 663 e seguintes. 5 Pode ser acedido em: Acórdão 479/94, 1994-08-24 - DRE. 6 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, ob. cit., p. 46. 7 Como tal resulta da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual (Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de estrangeiros de

território nacional). 8 O sumário executivo do relatório do CPT pode ser lido em: https://www.coe.int/en/web/cpt/portugal.