O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

13 DE ABRIL DE 2021

33

artigo, baseada em estereótipos raciais e que remetem qualquer pessoa negra ou de minorias étnicas como a

população cigana, à condição de potencial suspeito. Sendo acompanhada, não raras vezes, por policiamento

repressivo e por revistas consideradas humilhantes por quem por elas passa e que restauram aquilo que é o

resultado de uma construção histórica colonial que configura a pessoa negra ou cigana como desordeira ou

criminosa.

No artigo 250.º do Código de Processo Penal, a questão da pertença étnico-racial de um indivíduo, e mais

concretamente a sua cor de pele, constitui um fator de identificação do suspeito dos crimes em questão,

nomeadamente no que diz respeito às «suspeitas (...) de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no

território nacional (...).» Isto parte das conceções de identidade nacional e da conceção de cidadão nacional que

remete para fora do corpo nacional toda a diversidade e multiculturalidade que caracteriza Portugal e a

população portuguesa.

Segundo o advogado José Semedo Fernandes, esta é uma lei «que pinta o sujeito de negro», pois toda a

pessoa negra poderá ser abordada, parada, revistada e detida com base unicamente na sua cor de pele. O

advogado conta ainda que «quando era miúdo, um polícia parou-me à saída do bairro e perguntei porquê. Ele

disse: ‘um preto é sempre suspeito’»1. Mais tarde, já formado em Direito, José Semedo Fernandes

estabeleceu a conexão entre este episódio e o preceito contido no artigo 250.º do Código de Processo Penal.

Explicou que «Só depois de ler este artigo [250.º] fiz o paralelismo: o artigo dá a possibilidade de o agente parar

qualquer pessoa que seja negra e justificar com esse artigo, que nos coloca numa posição de fragilidade legal

(...).» Portanto, a lei, na forma como está elaborada, «acaba por ser ‘profundamente racista’. Isto porque ‘pinta

o suspeito de negro’ ao falar de alguém que ‘esteja irregularmente no território nacional’ ou tenha um processo

de expulsão administrativa. Ou seja, ‘empurra logo para os estrangeiros, associados aos negros’».2

O projeto COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e

legislação, levado a cabo de junho de 2016 a abril de 2020, propôs-se a «colmatar um vazio que persiste ao

analisar o racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial» e colocando «(...) no

centro do debate a relação entre Estado, direito e sociedade questionando, assim, os limites e possibilidades

das noções de ‘igualdade de tratamento’, de ‘discriminação’ e de ‘ódio racial’ que têm sido mobilizadas na

implementação da legislação e as suas consequências para uma compreensão (ou silenciamento) do contexto

histórico e da dimensão institucionalizada do racismo em Portugal».3 Através da análise de múltiplos processos

de contraordenação instaurados pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) ao

abrigo da Lei n.º 134/99, de 28 de agosto e da Lei n.º 18/2004, de 11 de maio, que transpõe a Diretiva Europeia

de Igualdade Racial 2000/43/CE para a ordem jurídica nacional, entre 2006 e 2016, e findos até 20 de fevereiro

de 2020, nas áreas específicas da educação, habitação/vizinhança e forças de segurança, este estudo conclui

que «as denúncias de racismo relacionadas com as políticas de segurança urbana e a intervenção das forças

de segurança urbana e a intervenção das forças de segurança, incluindo a atitude negligente na investigação

de indícios de assédio e violência racista, têm sido constantes no contexto europeu».

A análise levada a cabo pelo supracitado instrumento de investigação aponta, essencialmente, «três

problemáticas: (i) como a legislação promove formas de intervenção policial sistemática e musculada em

determinados contextos urbanos e em relação às populações afrodescendentes, ciganas e migrantes; (ii) como

o sistema de justiça, as Inspeções [como é o caso da Inspeção-Geral da Administração Interna], e as forças de

segurança têm reproduzido representações institucionalizadas discriminatórias antinegras e anticiganas; (iii)

como são apuradas as queixas de racismo e, em particular, a injúria racial e o uso de substantivos e categorias

étnico-raciais». Concretamente, verificou-se «a existência de numerosos processos abertos por queixas

relacionadas com formas de abordagem e procedimentos das forças de segurança ao solicitar

identificação e na decisão de condução/detenção de suspeitos de prática de crime e, em particular,

quando acresce a suspeição de este ter penetrado ou permanecer irregularmente no território nacional.

Verificou-se um padrão de incumprimento do disposto no artigo 250.º do Código de Processo Penal em

relação aos diferentes mecanismos que o alegado suspeito pode acionar para identificar-se; as queixas

revelam que os alegados suspeitos são alvo de agressões e injúrias discriminatórias, muitas das vezes

1 Em «Quando era miúdo um polícia disse-me: um preto é sempre suspeito» | Racismo à Portuguesa | PÚBLICO (publico.pt) e em Joana

Gorjão Henriques, Racismo no País dos Brancos Costumes, Tinta da China, (2018), p. 43 e seguintes. 2 Joana Gorjão Henriques, ob. cit., p.44. 3 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, Caderno de apresentação de resultados do pro jeto

COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», junho de 2020, p. 2.