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II SÉRIE-A — NÚMERO 150

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PROJETO DE LEI N.º 874/XIV/2.ª

REFORÇA O DEVER DE TRANSPARÊNCIA QUE IMPENDE SOBRE TITULARES DE CARGOS

POLÍTICOS E DE ALTOS CARGOS PÚBLICOS (SEGUNDA ALTERAÇÃO À LEI N.º 52/2019, DE 31 DE

JULHO)

O enriquecimento não é nem deve ser, por si só, motivo de embaraço ou justificação, pelo que sempre será

errada a lei que assente no pressuposto de que o enriquecimento, seja de quem for, é em si mesmo um facto

censurável ou suspeito. Ainda assim, é inegável que o exercício de certos cargos expõe o seu titular a situações

propícias a corrupção, em sentido lato, facto bem refletido no nosso ordenamento jurídico e expressamente

reconhecido pela nossa jurisprudência constitucional.

Assim sendo, é fundamental que o exercício de cargos políticos ou de altos cargos públicos seja conformado

por um especial dever de transparência, permitindo um controlo continuado e mais eficaz das situações de

corrupção. No Acórdão n.º 377/2015, o Tribunal Constitucional referia que «(…) não restarão dúvidas de que,

por causa da especial posição que ocupam, sobre os titulares de cargos políticos recairá um dever geral de

’transparência’ quanto a formas de condução de vida pessoal ao qual não estará sujeito quem não detém

quaisquer poderes de decisão pública. A legitimidade constitucional da imposição deste ‘dever de

transparência’», de incidência essencialmente patrimonial, a quem decide politicamente (publicamente), pode

encontrar, sob o ponto de vista textual, fundamento bastante no já mencionado artigo 117.º, referente à

‘especialidade’ do estatuto dos titulares de cargos. O seu fundamento axiológico geral, porém, encontrar-se-á

porventura na formulação do seguinte princípio: Se ao legislador incumbe evitar que a confiança – entendida

como acima se entendeu, enquanto elemento ético que sustenta o Estado de direito democrático (cf., supra,

ponto 13) – sofra erosão por causa da disseminação de práticas que se traduzam no aproveitamento privado de

bens ou vantagens que a toda a comunidade pertenceria usar ou fruir, sobre quem dispõe de poderes de decisão

– encontrando-se assim, pela natureza das coisas, em condições fácticas eventualmente favorecedoras da

ocorrência daqueles atos ilícitos – deve pesar um especial ónus de ‘transparência’ patrimonial, sem que com

isso se deva entender que injustificadamente se invadem esferas reservadas de vida, própria ou de terceiros».

A transparência que se procura não é compatível com a existência de hiatos e «ângulos mortos» que

impossibilitam ou dificultam os mecanismos de controlo da atuação dos titulares de cargos políticos ou altos

cargos públicos, pelo que o dever de transparência deve assentar em regras claras, que permitam garantir a

necessária determinabilidade das normas quando se trate de punir criminalmente quem não cumpra aquele

dever.

Pretende-se, assim, com o presente projeto de lei, robustecer o dever de transparência que impende sobre

os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Com efeito, a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, já prevê

alguns mecanismos de salvaguarda da transparência. Todavia, parece possível e adequado proceder ao seu

reforço e clarificação, quer ao nível dos deveres que impendem sobre os titulares de cargos abrangidos por

aquele diploma, quer ao nível do regime sancionatório, em caso de violação daqueles deveres.

Um dos mecanismos previsto na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, é a «declaração única de rendimentos,

património, interesses, incompatibilidades e impedimentos», prevista atualmente nos seus artigos 13.º e 14.º.

Desde logo, e em primeiro lugar, propõe-se que desta declaração passem a constar as vantagens patrimoniais

futuras, de forma a que sejam obrigatoriamente declarados, por exemplo, a promessa de um cargo bem

remunerado, de uma renda, do perdão (ou assunção) futuro de uma dívida – formas que pode assumir a

criminalidade económico-financeira envolvendo titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Para

esse efeito, propõe-se alterar a norma relativa ao conteúdo da declaração única, e bem assim o anexo da Lei

n.º 52/2019, de 31 de julho, criando uma nova rubrica para as referidas vantagens patrimoniais futuras, já que

estas não se subsumem nem categoria de rendimento nem à de património. Propõe-se também, em segundo

lugar, que a entrega desta declaração passe a ser anual durante o exercício de funções e até ao fim dos três

anos seguintes ao termo do exercício de funções, e não apenas, como hoje sucede, em três momentos definidos

(início das funções, termo das funções e três anos após o termo das funções). Com isto visa-se simplificar o

dever que impende sobre os titulares de cargos abrangidos, deixando em contrapartida de se impor um dever

de atualização em virtude de variações patrimoniais. A obrigação de atualização permanece apenas para os

casos de factos ou circunstâncias supervenientes que possam acarretar incompatibilidades ou impedimentos,