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7 DE JULHO DE 2021

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sexual.

No entanto, ao estabelecer que apenas se encontram abrangidas as propostas de teor sexual, esta norma

não criminaliza todas as condutas que podem configurar situações de assédio sexual, nomeadamente o

denominado assédio de rua.

Como referem Pedro Caeiro e José Miguel Figueiredo1, «a lei é clara ao exigir a formulação de propostas.

Em consequência, não preenchem a factualidade típica as meras conversas de cariz sexual (…) porque não

implicam qualquer proposta, ainda que efectivamente importunem o receptor.»

Acrescentam que «pela mesma razão, o tipo não abarca palavras, gestos ou expressões faciais que, com ou

sem intuito de sedução, manifestem apreço ou admiração pelo destinatário da mensagem, em particular pelo

seu aspecto físico, ou muito simplesmente desejo sexual ou excitação sexual, de forma mais urbana ou grosseira

– aquilo que já mereceu a designação de ‘assédio sexual nas ruas’ – mas que não envolvem, em nenhum sentido

pensável, uma proposta.»

De notar que estes autores utilizam como exemplo de linguagem «mais urbana» expressões como «Acreditas

em amor à primeira vista ou tenho de passar por aqui outra vez?» ou «Ainda dizem que as flores não andam!»

e, como exemplo de linguagem «grosseira», expressões como «Belas pernas! A que horas abrem?» ou «Queria

que fosses uma pastilha elástica para te comer o dia todo».

Estes autores mencionam, ainda, que «há outro género de dichotes que aparecem formalmente como

propostas, mas que são apenas ‘propostas retóricas’, onde o suposto ‘proponente’ solicita ou se disponibiliza

para actos de natureza sexual sem qualquer expectativa razoável de aceitação pelo destinatário (como se

mostra pela linguagem colorida ou ofensiva utilizada), nem qualquer constrangimento do mesmo. Trata-se,

verdadeiramente, de provocações, obtendo o seu autor satisfação ou gratificação com a respectiva verbalização

e consequente reacção do(a) visado(a) (e, eventualmente, com o gáudio de outros circunstantes). Ora,

tampouco nestes casos pode seriamente afirmar-se que quem pede a outra pessoa que lhe ‘sopre na vela’, ou

se dispõe a fazer-lhe ‘um pijaminha de cuspe’ ou a ‘caiá-la de branco por dentro’, está a ‘formular propostas de

teor sexual’. Está, quando muito, a manifestar propósitos, mas não a formular propostas.»

Ora, facilmente se compreende que as expressões acima identificadas, que os autores identificam como

tendo linguagem «mais grosseira» ou que configuram «propostas retóricas» têm conteúdo sexual e são

verbalizadas com o intuito de intimidar, humilhar ou ofender outrem, sendo suscetíveis de atentar contra a sua

liberdade sexual.

Basta pensarmos, por exemplo, nos casos em que estas expressões são ditas a raparigas menores, o que

infelizmente acontece com frequência. É certo que o impacto da utilização de expressões de conteúdo sexual,

como os exemplos acima mencionados, é maior quando se trata de mulheres mais jovens ou adolescentes. E,

como é óbvio, em particular quando estão em causa mulheres mais jovens, o intuito daquele que profere

comentários de índole sexual é o de intimidar ou humilhar o outro, o que justifica porque é que estes

comportamentos são frequentemente cometidos contra raparigas, nomeadamente adolescentes, que têm uma

menor capacidade para lidar e/ou responder a estes comentários.

Depois, não se pode dizer que a utilização destas expressões não importuna o outro ou não condiciona a

sua liberdade sexual. Não podemos esquecer que as mulheres são as principais vítimas de situações de assédio

sexual e que muitas são sujeitas a comentários ou propostas de natureza sexual desde tenra idade. Por isso,

situações como esta são suscetíveis de provocar, nomeadamente, a perda de autoestima e transformar a forma

como se perceciona o outro, o que pode condicionar a criação de laços afetivos futuros e, desta forma, limitar a

sua liberdade sexual.

De facto, os estudos demonstram que o assédio tem impactos físicos e psicológicos que não podem ser

desvalorizados.

Veja-se, por exemplo, que no que diz respeito ao assédio sexual no trabalho, a Ordem dos Psicólogos2

considera que este cria perturbações significativas nas relações profissionais, interpessoais e familiares e tem

consequências para a saúde física e psicológica, que podem incluir, nomeadamente, stress, ansiedade, raiva,

irritação, humilhação e desespero; diminuição da autoestima e autoconfiança; dificuldade e perturbações de

1 CAEIRO, Pedro e FIGUEIREDO, José Miguel, «Ainda dizem que as leis não andam: reflexões sobre o crime de importunação sexual em Portugal e em Macau», 2016, que pode ser consultado em: https://www.researchgate.net/publication/339466676_Ainda_dizem_que_as_leis_nao_andam_reflexoes_sobre_o_crime_de_importunacao_sexual_em_Portugal_e_em_Macau 2 Assédio Sexual no trabalho | Ordem dos Psicólogos (ordemdospsicologos.pt)