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II SÉRIE-A — NÚMERO 14

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A vitimação secundária tem vindo a ser apontada por diversas associações que apoiam vítimas como um dos principais motivos pelos quais estas não apresentam queixa junto das entidades competentes. A eliminação desta violência perpetuada pelo aparelho estatal deve ser uma prioridade, de modo a assegurar a efetiva proteção das vítimas, em particular, mulheres e jovens.

Urge, assim, melhorar o tratamento das vítimas de crimes sexuais na sua interação com o sistema de justiça, de modo a facilitar e incentivar a denúncia destes delitos. Esta deve ser uma prioridade, tendo em conta que, de acordo com os dados do Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, houve menos 116 participações do crime violação do que no ano anterior. Ingénuo será pensar que, de facto, a violência sexual em Portugal diminuiu, num ano em que inúmeras mulheres se viram forçadas a ficar em casa, nomeadamente com os agressores. As estatísticas da justiça e da administração interna, apesar de nos proporcionarem dados importantíssimos, dizem apenas respeito aos crimes participados, que contemplam uma ínfima parte dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. A diminuição do número de participações destes crimes deve ser entendida como fruto da desconfiança das mulheres no aparelho estatal. Importa agora melhorar os cuidados proporcionados às vítimas e fomentar a confiança das mesmas no sistema de justiça e nos seus intervenientes, de modo a minorar as instâncias em que a vítima poderá ser alvo de vitimação secundária.

Para este efeito, propomos que as vítimas possam escolher o sexo da pessoa que realizar o exame de perícia legal, se assim o desejar.

Será importante considerar que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a perturbação de stress pós-traumático é uma sequela comum entre vítimas de violência sexual. Um estudo da Associação Americana de Psicologia concluiu que 94% das mulheres vítimas de violência sexual apresentam sintomas de perturbação de stress pós-traumático durante as duas semanas posteriores ao trauma. Os sintomas podem incluir memórias repetidas do evento traumático, hipervigilância, dificuldades em relacionar-se com o outro, crenças negativas sobre a própria, irritabilidade, dificuldade em dormir, insónias e pesadelos, ainda reações físicas ou sentimentos intensos de vergonha e culpa. Mulheres sobreviventes de violência sexual reportam que a presença ou toque de pessoa de sexo masculino pode espoletar ataques de pânicos e causar sofrimento emocional.

Os exames e perícias realizados a vítimas de violência sexual, ainda que importantíssimos em sede de prova no processo penal, frequentemente conduzem de modo irreversível e evidente a uma nova vitimação. A recolha de potenciais vestígios na vítima de um crime de violência sexual pode incluir a inspeção minuciosa a cabelos, superfície cutânea e as cavidades, vaginal, oral e anal. Após o sofrimento causado pelo abuso sexual, a vítima vê agora a sua intimidade invadida novamente, na exposição física que comporta a realização dos exames e perícias. O exame anogenital, no caso de vítimas pós-pubertárias do sexo feminino, é realizado na posição genupeitoral e poderá ainda ser realizado exame espéculo e toque vaginal. Para vítimas num estado de grande fragilidade e vulnerabilidade este tipo de intervenção pode ser assumido como um novo abuso dado que as áreas examinadas serão necessariamente as zonas do corpo usurpadas pelo agressor. Poder escolher o sexo da pessoa que realizará os exames e perícias garante à vítima um maior conforto e segurança e, muito importante, controlo. Desde modo, contribui-se para a diminuição da possibilidade de vitimação secundária, nomeadamente, ao evitar a proximidade e examinação por sujeitos do sexo do seu agressor.

Face ao exposto, com o presente projeto de lei, propõe-se uma alteração ao artigo 17.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, que aprova o Estatuto da Vítima, garantindo o direito das vítimas de violência sexual, violência baseada no género ou violência em relações de intimidade de poder escolher o sexo da pessoa que realizará o exame de perícia.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º Objeto

A presente lei procede à alteração da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, que aprova o Estatuto da Vítima,

com o objetivo de garantir o direito das vítimas de violência sexual, violência baseada no género ou violência em relações de intimidade de escolher o sexo da pessoa que irá realizar o exame de perícia.