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13 DE OUTUBRO DE 2021

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Elaborada por: Fernando Bento Ribeiro e Sandra Rolo (DILP), João Sanches (BIB), Lurdes Sauane (DAPLEN), Gonçalo Sousa Pereira e Margarida Ascensão (DAC). Data:17 de setembro de 2021.

I. Análise da iniciativa

• A iniciativa

A iniciativa legislativa sub judice promove a alteração do Código Penal1, com o objetivo de reforçar o combate

à discriminação e aos crimes de ódio, através da criação de uma agravante geral aplicável em relação a todos

os crimes, de forma a que o juiz, no momento da determinação da medida da pena, deva considerar a motivação

(discriminatória ou de ódio) subjacente à prática da infração criminal; em complemento, propõe a transformação

dos crimes de injúria e difamação em crimes semipúblicos, quando o forem motivados por ódio ou discriminação.

Para justificar a presente intervenção legislativa, refere a proponente que «os comportamentos motivados

pelo ódio e pela discriminação, pese embora não sejam legalmente tipificados como condutas criminosas no

ordenamento jurídico português, são uma realidade frequente na nossa sociedade contemporânea» e, sobre a

forma como é criminalizada a discriminação racial no ordenamento jurídico português, cita a análise feita pelo

projeto de investigação científica COMBAT2 3, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em

que são delineadas as fraquezas e insuficiências do Código Penal quanto ao tratamento da discriminação e do

discurso de ódio, explicitando que «a discriminação é criminalizada, de forma explicita, em três preceitos do

Código Penal: no artigo 240.º e, por qualificação, na alínea f) do n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 2 do artigo 145.º»,

ou seja, «a qualificação do crime por motivação de ‘ódio racial’ ou ‘gerado pela cor, origem étnica ou nacional’

está prevista para os crimes de homicídio e ofensa à integridade física»4, mas já não para os crimes de

difamação e injúria: estes não estão sujeitos a esta qualificação (por motivo de «ódio racial»); além de que o

crime de injúria racial só pode ser considerado segundo o disposto no artigo 240.º do Código Penal, ou seja, se

cumprir os requisitos de «publicidade» e «incitação», ficando excluída do âmbito desta norma «qualquer conduta

que, mesmo preenchendo uma das alíneas do n.º 2 (…), ocorra numa interação entre agressor e vítima que não

seja em público ou que, tendo lugar em público, não seja apta à divulgação»5.

Em detalhada exposição de motivos, são citadas decisões judiciais «paradigmáticas» – como as proferidas

em junho de 2021, pelo coletivo de juízes do Tribunal de Loures, que condenou Evaristo Marinho pelo homicídio,

motivado por ódio racial, do ator português Bruno Candé, e em maio de 2019, pelo Tribunal Coletivo do Juízo

Central Criminal de Sintra (e posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa) quanto aos 17

agentes da Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Divisão da Amadora da PSP, num caso que ficou

conhecido como «o caso da esquadra de Alfragide» que, apesar da condenação, refletiu «alguma insensibilidade

dos magistrados (…), mas também evidentes falhas legislativas que não permitem ao juiz o reconhecimento

dessa motivação (racial) em diversos tipos de ilícitos» -, bem como recomendações de organismos nacionais e

uma análise comparada dos ordenamentos jurídicos de vários Estados europeus, segundo a qual – pode ler-se

– «é possível concluir-se no sentido de existir uma clara preferência generalizada pela via da não autonomização

dos crimes de ódio na legislação penal. Pelo contrário, vários ordenamentos jurídicos optam pela agravação de

todas as ofensas criminais motivadas por ódio e discriminação».

Concretamente, as alterações ora propostas incidem sobre os artigos 132.º (Homicídio qualificado) e 188.º

(Procedimento criminal) do Código Penal e aditam um artigo novo – o artigo 71.º-A (Agravação por motivos de

ódio ou discriminação).

1 Ligação para o diploma retirado do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/). 2 «O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação antidiscriminação» – https://combat.ces.uc.pt/. 3 https://ces.uc.pt/pt/investigacao/projetos-de-investigacao/projetos-financiados/combat. 4 Esta qualificação atende a um tipo de culpa que revelaria especial perversidade ou censurabilidade, dependendo da ponderação das circunstâncias nas quais os factos tiveram lugar assim como a atitude do agente nelas expressas. 5 A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), em parecer datado de fevereiro de 2020, indicou, precisamente, como lacuna legislativa, «o caso dos crimes de difamação e injúria (artigos 180.º e 181.º do CP), para os quais o ordenamento jurídico português não prevê um agravamento da pena no caso de serem praticados com motivação discriminatória, seja por via de um tipo penal qualificado ou de uma agravante específica», recordando ainda que «é sempre possível o reconhecimento da motivação por via da aplicação do artigo 71.º do CP (agravante geral), mas que esse caminho raramente é adotado pelo juiz no momento da aplicação da pena».