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27 DE OUTUBRO DE 2021

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Nomeadamente, a Alemanha prevê, desde 1972, no artigo 17.º da Lei de Proteção dos Animais, a tutela

penal de todos os animais vertebrados, protegendo-os da morte injustificada e dos maus-tratos. Na verdade,

existe hoje total consenso científico relativamente à especial qualidade senciente dessa classe de animais.

As apontadas evidências científicas tornam premente a alteração das premissas legais no âmbito da tutela

penal dos animais, ditando a eliminação do atual critério funcionalista e subjetivo, dificultador da interpretação e

aplicação das normas penais.

Em 2010, o código penal espanhol passou a punir qualquer violência injustificada que fosse perpetrada contra

«animais domésticos e amansados», sendo que em Julho de 2015 previu o aumento das molduras penais

previstas para estes crimes, bem como o alargamento das categorias de animais abrangidos, também aqueles

que são habitualmente domesticados. Acrescentou também a criminalização das condutas que impliquem

«exploração sexual» dos animais (designada por zoofilia) e previu sanções acessórias para os crimes referidos,

nomeadamente a inabilitação para a guarda de animais e inabilitação especial para o exercício de qualquer tipo

de profissão ou atividade comercial que envolva animais.

No preâmbulo da Lei Orgânica n.º 1/2015, que procedeu à citada alteração ao código penal espanhol,

justifica-se essa decisão de política criminal com o alarme social associado à violência contra os animais,

incluindo a exploração sexual.

Para além daquelas que são condutas manifestamente censuráveis em si mesmas que revestem os crimes

de maus-tratos e abandono de animais, as quais são um verdadeiro flagelo, não podemos deixar de referir a

estreita ligação entre os maus-tratos a animais e a violência entre seres humanos.

Immanuel Kant, nas suas conferências de ética, ministradas entre 1775 e 1780, referiu: «If he is not to stofle

his human feelings, he must practice kindness towards animals, for he who is cruel to animals becomes hard in

his dealings with men»2. Embora Kant não acreditasse que tivéssemos deveres diretos para com os animais,

ideia sobejamente ultrapassada na sociedade contemporânea, sustentava que os interesses humanos eram

suficientes para limitar o comportamento cruel para com todos os animais.

Nos últimos quarenta anos, esta ligação tem sido objeto de constantes investigações e estudos. Conexões

psicológicas, sociológicas e médicas foram feitas por uma variedade de investigadores, com o acumular de uma

quantidade considerável de evidências empíricas.

A título de exemplo, em Measuring Animal Cruelty and Case Histories, os investigadores Marie Louise

Petersen e David P. Farrington recolheram os seguintes dados empíricos3 (tradução livre):

● De 429 adultos internados em hospitais psiquiátricos, divididos por «agressivos» e «não agressivos»: 23%

mataram animais intencionalmente e 18% torturaram animais («agressivos») e 10% mataram e 5%

torturaram animais («não agressivos») (1979);

● De 152 homens divididos em «agressivos» e «não agressivos»: 25% dos criminosos agressivos relataram

5 ou mais atos de crueldade a animais, 6% dos não agressivos e nenhum dos não criminosos (1985);

● De 64 reclusos: 48% dos condenados por violação e 30% dos condenados por abuso sexual infantil

reportaram casos de crueldade contra animais (1986);

● De 28 homicidas sexuais: 36% cometeram atos de crueldade contra animais na infância e 46% na

adolescência (1988);

● De 117 reclusos, divididos em criminosos violentos e não violentos: 63% dos criminosos violentos

cometeram crueldade contra animais, contra 11% dos criminosos não violentos (1999);

● De 261 reclusos: 43% reportaram crueldade contra animais. Destes, 63% relataram que feriram ou mataram

animais e 55% abusaram de animais (2005).

Para além do exposto, a crueldade animal está fortemente implicada em casos de violência familiar e abuso

infantil em particular.

Estes dados, que ora utilizamos de forma meramente exemplificativa, são demonstrativos da clara ligação

que existe entre os maus-tratos a animais e violência entre humanos.

Com o exposto não se pretende reduzir a questão dos maus-tratos a animais a mero índice de alerta para

2 Immanuel Kant, Duties towards animals and spirits, em Lectures on ethics, trad. Louis Infield (Indianapolis and Cambridge: Hackett Publishing Company, 1963), p.240 3 The Link Between Animal Abuse and Human Violence, Andrew Linzey, inDoes Animal Abuse Really Benefit Us?, p.2-4.