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II SÉRIE-A — NÚMERO 29

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manifesta e inequívoca, pelas razões já amplamente expendidas, não devemos prolongar a vida a todo o

custo, particularmente se esses custos acarretam para a pessoa uma dor e um sofrimento intoleráveis.

A este propósito citamos o artigo «suicídio medicamente ajudado e eutanásia em unidades de cuidados

intensivos: um diálogo sobre questões éticas centrais», publicado pelo Critical Care Medicine, segundo o qual

os médicos podem optar por não iniciar ou suspender terapêuticas de suporte vital, mesmo que daí resulte que

os doentes morram mais cedo do que, de outro modo, morreriam. Tendo por base a perspetiva médica, refere

ainda o artigo que os médicos estão «obrigados a tratar o sofrimento físico, mesmo que haja uma hipótese de

que essa intervenção, para aliviar a dor, possa encurtar a vida. Se aceitarmos que a vida não precisa de ser

prolongada a todo o custo e que a vida pode mesmo ser encurtada (seja involuntariamente seja

passivamente), no interesse do seu conforto, então aceitamos implicitamente que o valor da vida não é

infinito».

Como escreve o médico de Gastrenterologia que tem se tem debruçado sobre o tema da morte

medicamente assistida, Gilberto Couto, citando Rachels e Dworkin, a nossa vida biológica (enquanto

organismos) não tem, para nós, o mesmo valor da nossa vida biográfica (enquanto pessoas). Pelo mesmo

motivo, Miguel Real, autor de o «Manifesto em defesa de uma morte livre», apela a que vejamos a vida numa

perspetiva de qualidade e não apenas de quantidade.

Posições como as acima referidas invocam o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme ensina

José Gomes Canotilho, jurista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a

dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana, não é de um ser ideal e abstrato. É

a pessoa, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos

fundamentais a Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia e protege.

Como refere Luísa Neto, professora de direito constitucional, quando alguém formula um pedido de morte

medicamente assistida está no fundo a dizer: quero viver e morrer de outra maneira, sempre por referência ao

valor da vida e por respeito à vida. A opção de morrer nestes termos implica não tanto o de escolher morrer,

mas mais o de como morrer. O direito a morrer dignamente implica então apenas falar do direito a que não nos

impeçam de aceitar com dignidade e responsabilidade a chegada iminente da morte, bem como o direito a que

respeitem o nosso direito a viver de tal maneira que possamos preparar-nos para assumir tal morte.

Aqui este princípio aparece ligado ao conceito de autonomia e liberdade individual. Um indivíduo

competente e autónomo é livre e responsável pelas suas escolhas. Conforme defendido por John Stuart Mill,

ser-se responsável pelas próprias escolhas em vida significa também ser-se livre de poder escolher quando e

como morrer.

Neste sentido, subscrevemos o que foi dito pelo constitucionalista Jorge Reis Novais na sua audição na

Assembleia da República no Grupo de Trabalho criado para discutir esta matéria. Aquando da sua reflexão

sobre o que é o princípio da dignidade da pessoa humana, concluiu que «se nós consideramos que as

decisões que a pessoa toma nos domínios vitais da existência humana, o Estado deve proteger a pessoa de

interferências de outros e de imposições de outros, ou seja, deve ser reconhecida a cada pessoa que seja

competente para formar uma vontade o poder de conformar a sua vida de acordo com as suas próprias

conceções; naquelas áreas mais íntimas, naquelas áreas mais vitais da sua existência, não deve ser o Estado

a impor uma conceção do mundo, de como deve levar a sua vida. Deve ser a pessoa a definir isso».

A verdade é que, cada vez mais, a prática médica tem sido caracterizada pela autonomia e liberdade do

paciente. Atualmente, a defesa de um modelo paternalista para a atuação médica já não existe. A ideia da

autodeterminação veio alterar substancialmente o sentido do ato médico. O paciente deixou de ser um sujeito

meramente passivo na relação médico/doente, para passar a ser um sujeito detentor de direitos que, em

conjunto com o médico, decide o percurso da sua vida.

Neste sentido, porque estamos numa relação paritária, o médico deve informar o paciente do seu estado

de saúde, discutir com ele as opções de tratamento disponíveis e ter em conta a sua vontade sobre o destino

a dar à sua vida. Em suma, nas palavras de Luísa Neto «tratar bem não é apenas atuar segundo as regras

técnicas da profissão, mas também considerar o doente como um centro de decisão respeitável.»

Não se defende aqui que a vontade do paciente seja absoluta, isto é, que o médico execute sempre o

pedido pelo doente, nos exatos termos em que tal é pedido. Aquilo que se defende é que a vontade do

paciente seja tida em conta, em todos os momentos, nomeadamente em relação à questão do fim de vida.

Ora, as decisões sobre a morte e, em especial, sobre o modo em que esta ocorre, são de extrema