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20 DE MAIO DE 2022

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importância. Assim, quando uma pessoa, de forma consciente e esclarecida, define as condições que quer

para a sua morte, tal vontade deve ser valorada e não liminarmente ignorada, como ocorre atualmente.

A este propósito sufragamos a posição de Jorge Reis Novais, transmitida no Grupo de Trabalho já

mencionado, que inclusive defendeu que a situação atual, de não atender à vontade da pessoa, é

inconstitucional. Tendo defendido, a propósito da apreciação da margem do legislador para intervir nesta

matéria, a existência de um mínimo e de um máximo, dando a Constituição grande margem de manobra ao

legislador desde que respeitados estes limites, argumentou no seguinte sentido: «uma situação de proibição

total de atender à vontade da pessoa, que é aquela que existe hoje, que essa situação é proibida pela

Constituição, ou seja, tenderia a dizer que a situação atual é inconstitucional. Isto é, quando penaliza em todas

e quaisquer circunstâncias, não poderia fazê-lo. Não poderia fazê-lo porque a Constituição de Estado de

Direito, uma Constituição apoiada na dignidade da pessoa humana, tem de reconhecer a vontade da pessoa

decidir para as questões mais decisivas e mais íntimas da sua vida, onde eu incluo também as decisões, em

alguma medida, sobre as condições da sua própria morte. Na medida em que a lei atual não dá a mínima

possibilidade, portanto é uma proibição total e absoluta, a meu ver tenderia a considerar que este limite está

ultrapassado, ou seja, este limite constitucional de atender, em alguma medida, à autonomia da pessoa não

está a ser respeitado».

Para além da posição assumida por Jorge Reis Novais, vários outros constitucionalistas defendem que

uma lei que permita a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido não é inconstitucional, nomeadamente

Luísa Neto, Teresa Beleza e Faria Costa.

A discussão sobre uma eventual inconstitucionalidade resulta de poder estar em causa uma violação do

artigo 24.º da CRP. Ora, tal interpretação apenas é possível se se entender que aquele artigo, ao estabelecer

que a «vida humana é inviolável», interdita qualquer violação do direito à vida, independentemente do tipo de

agressão em causa.

Todavia, ainda que se diga que a vida humana é inviolável ou que o direito à vida é um direito absoluto, tal

consideração, do ponto de vista estritamente jurídico, não é verdadeira. A admissibilidade de situações como a

possibilidade de matar em legítima defesa demonstram tal facto. O direito à vida, ainda que tendencialmente

absoluto, não tem, atualmente, a configuração de um direito absoluto.

Facilmente se compreende que aquilo que deve ser garantido pelo Estado é que a pessoa que toma a

decisão é competente para o fazer e que o faz de forma livre, isto é, sem qualquer coação ou interferência de

terceiros. O Estado deve assim criar mecanismos que permitam aferir se a vontade manifestada por

determinada pessoa corresponde à sua vontade real, ou seja, se a pessoa está lúcida e consciente.

Todavia, tem sido defendido que a despenalização da morte medicamente assistida introduzirá a ideia de

que há vidas que são dignas de serem vividas e outras indignas de serem vividas. Não compreendemos este

argumento. Todas as vidas são dignas, independentemente do seu grau de autonomia ou de dependência,

independentemente de se tratar de alguém interdito por anomalia psíquica ou com plena consciência. A única

coisa que difere são as obrigações do Estado, porquanto o mesmo tem o dever de aferir se a pessoa está em

condições de formular a sua vontade, de forma consciente e lúcida, uma vez que, caso não esteja, o acesso à

morte medicamente assistida não é possível.

Outros argumentos têm sido apresentados contra a despenalização da morte medicamente assistida, em

especial a existência de cuidados paliativos e o argumento da «encosta escorregadia ou rampa deslizante».

No entanto, o PAN entende que a despenalização da morte medicamente assistida não exclui nem conflitua

com os cuidados paliativos, nem tão pouco se pode confundir com o direito de acesso aos mesmos. Estes

são, aliás, de enorme importância, devendo, por isso, ser valorizados e continuamente reforçados. Mas a

verdade é que os cuidados paliativos não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes, nem

impedem por inteiro a degradação física e psicológica dos casos considerados para efeitos do objetivo da

presente lei, porque nem todo o sofrimento é, infelizmente, tratável. Para além disto, os efeitos associados a

estes tratamentos, nomeadamente náuseas e alterações de consciência, podem comprometer a autonomia e

a qualidade de vida dos pacientes.

É verdade que ainda há muito a fazer para a melhoria da qualidade e da acessibilidade dos cuidados

paliativos em Portugal. No entanto, isso não significa que apenas se possa permitir a morte medicamente

assistida quando tivermos melhores cuidados paliativos, até porque não é isso que está em causa. A vontade

destes doentes deve ser respeitada e o Estado deve ter uma resposta alternativa para aqueles que sofrem.