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II SÉRIE-A — NÚMERO 49

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criança de 9 anos, e 68 vezes um homem de 42 1. Este ano, no mesmo país, um professor alemão de 42 anos

foi condenado na mesma pena por ter esquartejado e comido um homem de 43 com quem tinha contactado

online 2. Este ano também, em França, o homem que cometeu o homicídio da menina lusodescendente Maëlys

de Araújo, foi condenado a pena perpétua, com prisão mínima de 22 anos e considerado pelo Ministério Público

como um «perigo social absoluto» 3. Em Portugal o máximo que poderia acontecer era ser aplicada uma pena

de 25 anos, que nunca é cumprida na totalidade. Em 2017 foram condenados à pena máxima 93 pessoas, por

um conjunto de 322 crimes (portanto, ocorreu cúmulo jurídico), que incluía 107 homicídios, 36 assaltos violentos,

12 violações, entre outros crimes 4. Mesmo que entre estas pessoas exista alguma que não pretende qualquer

reabilitação, que não tem condições de viver em sociedade, ainda assim, ao fim de cumprir cinco sextos da pena

é colocada em liberdade. Por isso, pergunta-se, o fim das penas é a reabilitação do indivíduo, mas e se essa

reabilitação não for possível?

Nenhuma razão existe – antes pelo contrário – para a inexistência deste tipo de pena no ordenamento jurídico

português, desde que seja prevista a possibilidade de liberdade condicional após o cumprimento mínimo de uma

fração da pena. Neste sentido, nem o fundamento da dignidade da pessoa humana ou o princípio da humanidade

das penas poderão, no âmbito da Constituição da República Portuguesa, obstaculizar à reintrodução da prisão

perpétua no nosso País.

Deve ser sublinhado que na Europa, em 2019, havia 27 213 condenados a prisão perpétua, estando hoje

esse número perto dos 30 000 condenados.

Na esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos europeus que partilham valores fundamentais

semelhantes com o sistema jurídico português, o instituto da prisão perpétua existe e é, nalguns casos,

frequentemente aplicado. Face a fenómenos de criminalidade grave e violenta, homicídios, terrorismo e mesmo

no âmbito de criminalidade sexual especialmente perversa e grave, a aplicação da pena de prisão perpétua

pode permitir uma realização mais apurada da justiça e das suas finalidades de prevenção geral e especial.

Uma sentença de prisão perpétua assegura que a pessoa não será capaz de reincidir. Portanto, cumpre a

sua função de prevenção geral duplamente: Primeiro porque aquele que for condenado deixa de representar

um perigo para a sociedade; e, segundo, porque quem potencialmente possa ter ideia de vir a praticar um

homicídio, sabe que pode estar a arriscar a sua liberdade de uma forma permanente e isso pode desmotivar a

pessoa da prática do crime. Não surpreende, por isso, que a esmagadora maioria dos países europeus admitam

a pena de prisão perpétua.

Aliás, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) já por diversas vezes sublinhou que a prisão

perpétua, desde que admita revisão, é perfeitamente compatível com a Convenção Europeia dos Direitos

Humanos (CEDH) 5. São vários os exemplos em que o referido tribunal considerou não haver qualquer violação

do artigo 3.º da CEDH, que dispõe que «Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos

desumanos ou degradantes» 6. Note-se que Portugal ratificou esta convenção em 1978, mas segundo a

interpretação do TEDH isso não significa uma limitação à liberdade de determinar a pena de prisão perpétua em

determinadas condições específicas.

Mais, o Estatuto de Roma 7, de que Portugal é Estado Parte, aprova a criação do Tribunal Penal Internacional

(doravante TPI) e prevê expressamente no artigo 77.º a possibilidade de aplicação de pena de prisão perpétua.

No seu preâmbulo podemos ler que, «milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades

inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade; Reconhecendo que crimes de uma tal

gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade; Afirmando que os crimes

de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto não devem ficar impunes e que a

sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas a nível nacional e do reforço

da cooperação internacional; Decididos a pôr fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim

para a prevenção de tais crimes; (…)». Foi assim que os Estado Partes justificaram a criação do TPI e, todos

quanto o ratificaram, concordam com as suas normas. Deste modo é inevitável concluir que o Estado português

1 https://www.dn.pt/lusa/prisao-perpetua-para-alemao-de-20-anos-por-duplo-homicidio-com-brutalidade-9088154.html. 2 https://www.dn.pt/internacional/professor-alemao-condenado-a-prisao-perpetua-por-canibalismo-14471633.html. 3 https://www.dn.pt/internacional/mp-frances-pede-prisao-perpetua-para-assassino-de-menina-lusodescendente-14597869.html. 4 https://www.dn.pt/sociedade/condenados-a-pena-maxima-cometeram-mais-de-tres-crimes-cada-um-8864823.html. 5 https://www.conjur.com.br/2013-jul-09/corte-europeia-aprova-prisao-perpetua-revisao-periodica. 6 https://www.echr.coe.int/documents/fs_life_sentences_eng.pdf. 7 http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/estatuto_roma_tpi.pdf.