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II SÉRIE-A — NÚMERO 229

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 710/XV/1.ª

RECOMENDA A REALIZAÇÃO DE UM INQUÉRITO NACIONAL SOBRE O ABUSO SEXUAL DE

MENORES NA SOCIEDADE PORTUGUESA

Exposição de motivos

O relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica

veio revelar à sociedade portuguesa uma realidade que foi durante décadas dissimulada, protegida e encoberta

pelas diversas hierarquias da Igreja Católica Portuguesa.

Os resultados do relatório final são profundamente chocantes e revelam uma prática continuada e reiterada

de abusos, associada a uma indiferença pelos direitos das vítimas e a um sentimento de impunidade que

grassou no seio do clero católico durante largos anos e que se consubstanciou na proteção e no encobrimento

dos agressores que assim conseguiram não ser sujeitos à justiça penal.

No seguimento da apresentação do referido relatório final, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias promoveu a audição das personalidades que integraram a comissão, entre os quais o

seu Coordenador Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Catarina Vasconcelos, Daniel

Sampaio e Filipa Tavares, tendo em vista, por um lado, a apresentação do resultado dos trabalhos da Comissão

e, por outro, perceber quais as linhas possíveis de atuação parlamentar, numa matéria delicada e em que

qualquer atuação deve ser ponderada apenas e só após a análise da maior quantidade de dados disponíveis.

Durante a referida audição, a socióloga Ana Nunes de Almeida desafiou este Parlamento a lançar um

inquérito a nível nacional sobre o abuso sexual de menores na sociedade portuguesa, tal como consta das

sugestões e recomendações à sociedade civil constantes do relatório final no qual se pode constatar a

«Necessidade da realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços

de socialização», com a «(…) criação de uma estrutura semelhante à da Comissão independente, com novos

membros, bem mais alargada e com outros meios de intervenção, com vista a estudar a situação dos abusos

sexuais de crianças em geral, na comunidade. À semelhança dos inquéritos de vitimização, tudo parece apontar

para que tal iniciativa, desejavelmente do Governo da República, possa vir a caber ao Ministério da Justiça, seja

pela natureza das suas atribuições e competências, seja pela sua natural comunicação com as entidades

públicas sobre quem venha a recair a responsabilidade do prosseguimento da investigação, já em sede criminal,

dos dados que assim venham a ser recolhidos».

A título de experiências realizadas noutros países, o caso de França é paradigmático e os resultados

conhecidos levam-nos a refletir sobre a importância de o mesmo tipo de inquérito ocorrer também em Portugal

para uma correta aferição da real dimensão do problema.

Segundo o Human Rights Channel do Conselho da Europa, uma em cada cinco crianças é vítima de violência

sexual na Europa1, tendo o Coordenador da Comissão Independente, Pedro Strecht, avançado igualmente com

essa estatística para a sociedade portuguesa durante a referida audição de 2 de maio de 2023.

Não é demais relembrar que a violência e o abuso sexual de menores pode ocorrer em qualquer local, pode

ocorrer em casa, na escola, nas atividades extracurriculares, nas ruas, pelo telefone ou online, sendo que, na

grande maioria dos casos (70 a 85 %) a violência ou o abuso sexual sobre o menor é praticado por um conhecido,

do seu círculo de confiança, o que contribui para o facto de 90 % dos casos de abuso não serem denunciados

às autoridades e para o facto de um terço dos menores vítimas de abuso nunca contarem a sua experiência a

ninguém.

O trauma físico que perdura durante a vida da pessoa vítima de abuso sexual quando menor acompanha o

trauma psicológico permanente e muitas vezes inultrapassável, sem que seja feita justiça ou exista uma tentativa

de reparar os danos infligidos.

Um inquérito desta dimensão tem obviamente custos associados que a Iniciativa Liberal reconhece e aos

quais não é alheia, mas dada a sua relevância para a obtenção de se obter dados fiáveis e com os quais se

possam trabalhar de forma transversal e multidisciplinar não é «nada que se compare aos muitos milhares de

euros que andam por aí a voar, muitos milhares de milhões de euros que andam por aí a voar em outros setores»

1 Https://human-rights-channel.coe.int/stop-child-sexual-abuse-in-sport-pt.html.