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II SÉRIE-A — NÚMERO 59

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PROJETO DE LEI N.º 997/XV/2.ª

REVOGA O DECRETO-LEI N.º 103/2023, DE 7 DE NOVEMBRO, QUE APROVA O REGIME JURÍDICO

DE DEDICAÇÃO PLENA NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E DA ORGANIZAÇÃO E DO

FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES DE SAÚDE FAMILIAR

Exposição de motivos

O fim da possibilidade de opção pelo regime de dedicação exclusiva, determinado por um Governo do PS

em 2009, retirou ao Serviço Nacional de Saúde um dos principais instrumentos para a sua atratividade junto dos

profissionais médicos. Tratava-se de garantir condições de melhor remuneração dos médicos, como

contrapartida da sua plena dedicação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Essa decisão não foi inocente e correspondeu a um percurso, entretanto prosseguido por vários Governos e

acentuado nos últimos anos, de degradação das condições de trabalho, das carreiras e remunerações dos

médicos no SNS, com o objetivo evidente de abrir espaço para a sua contratação pelos grupos privados da

saúde, fragilizando os serviços públicos.

A situação grave que vivem muitas unidades e serviços do SNS tem como causa mais evidente, embora não

única, a carência de recursos humanos, particularmente médicos, que é fruto da desvalorização da profissão,

para dar lugar ao favorecimento do setor privado. De acordo com estudo publicado pela NovaSBE, da autoria

dos Prof. Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, a remuneração dos médicos no SNS nunca recuperou dos cortes

efetuados no período do memorando da troica e do Governo PSD/CDS, sendo que a perda de valor real das

remunerações entre 2011 e 2022 foi de 18 %. Em simultâneo agravou-se para grande parte dos médicos a

sobrecarga nos horários de trabalho, bem como o aumento dos utentes para cada profissional ou serviço,

faltando outras condições essenciais, como, por exemplo, ao nível da renovação dos equipamentos e da

modernização das instalações.

Foi neste quadro que o Governo lançou há alguns anos o conceito de «dedicação plena», designação

propositadamente errónea e visando gerar confusão com o regime de dedicação exclusiva atrás revogado.

Depois de anos de indefinição sobre o conteúdo deste conceito, embora adivinhando-se que pouco teria de

semelhante à dedicação exclusiva, o Governo legislou sobre a matéria de forma unilateral, sem chegar a acordo

com os sindicatos representantes dos médicos, usando uma técnica legislativa inadequada, acrescendo que o

Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, é publicado no dia em que o Primeiro-Ministro apresenta a sua

demissão.

Durante longos meses o Governo empatou as organizações sindicais em infrutíferas rondas negociais onde

sistematicamente não apresentava propostas concretas nem respondia às apresentadas pelos representantes

dos médicos. Entretanto e de supetão, o Governo decidiu legislar unilateralmente, sem acordo negocial, pondo

em causa os instrumentos de regulação coletiva anteriormente aprovados. No decreto-lei em causa o Governo

amalgamou o novo regime de dedicação plena e em simultâneo transformou por anexo o regime das USF,

igualmente sem acordo negocial com os sindicatos.

Suscitam-se por isso fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade deste diploma, designadamente quanto

ao respeito das disposições da Constituição relativas à participação das organizações sindicais na elaboração

da legislação laboral e ao direito à contratação coletiva.

O novo regime de dedicação plena visa no fundamental aumentar o horário de trabalho dos médicos –

acrescentando nalgumas situações mais um dia de trabalho semanal, consagrando uma jornada de trabalho

diária de 9 horas, aumentando o número de horas extra obrigatórias para 250 e condicionando o direito ao

descanso compensatório com prejuízo de horário. Esta legislação cria um regime obrigatório para os médicos

em determinadas funções e modelos organizativos, sendo legítimo questionar a imposição de regimes laborais

diferenciados para profissionais com funções semelhantes.

As alterações legislativas em causa não visam a melhoria das condições profissionais dos médicos.

Rejeitando um aumento substancial da remuneração base, que permitisse compensar a perda de poder de

compra real dos últimos anos, o Governo optou por impor sem acordo negocial um agravamento dos horários e

da carga laboral, por exemplo com mais utentes por médico, com uma compensação financeira que, bem vistas

as coisas, está muito aquém do que foi propagandeado pelo executivo e da perda real de poder de compra.