17 DE NOVEMBRO DE 1994
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No primeiro caso o ripo legal integra um crime de perigo concreto, no segundo o perigo é abstracto ou presumido.
Note-se que é incluída na previsão do futuro artigo 291.° a condução sob a influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou de efeito análogo, aspecto que há muito era preconizado.
Assinale-se ainda, tendo em conta esta fase evolutiva do direito criminal, que a «omissão de auxílio» é prevista do seguinte modo (17):
1 — Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 — Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxilio devido, o omitente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
3 — A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou a integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxilio lhe não for exigível.
Na «Exposição de motivos» que precede a proposta de lei n.° 92/VI (I8), apresentada à Assembleia da República, ainda se anotava: «Face à elevada sinistralidade rodoviária, entendeu-se conveniente agravar a pena do homicídio negligente, cujo máximo pode atingir os cinco anos, em caso de negligência grosseira.» (19).
Da discussão havida no Parlamento (20) não resultaram outros subsídios dignos de realce para a matéria ora em apreço.
5 — A questão suscitada pela consulta releva de saber se o Código da Estrada revogou (parcialmente) o Decreto-Lei n.° 124/90, nomeadamente o artigo 2.° deste.
5.1 — Diz-se com alguma frequência que as normas jurídicas não são imortais, estando sujeitas a modificação ou extinção. Tal como na natureza, o mundo jurídico não é imóvel: o direito renova-se com os tempos (21). Tornar--se-á mesmo imprestável se não acompanhar o fluir da vida em sociedade, cristalizando ou ossificando, enfim, se per-
(l7) Trata-se do artigo 200.°, inserido no n." 118) do artigo 3.° da Lei de Autorização.
Disposição bem mais ampla que a do artigo 60° do Código da Estrada de 1954 (artigo 60.°).
(1*) Publicada no Diário da Assembleia da República, 2." série-A, n.°24 (suplemento), de 24 de Fevereiro de 1994.
(") Correspondentemente, de acordo com o n.° 91) do artigo 3." da Lei n." 35/94, deverá estabelecer-se no «diploma autorizado», «em alternativa, a pena de prisão até 3 anos ou a pena de multa e elevar a pena de prisão até 5 anos para a negligência grosseira».
Ç20) Cf. Diário da Assembleia da República, 1.* série, n.° 85, de 30 de Junho de 1994; Diário da Assembleia da República, 1.' série, n.° 97, de 14 de Julho de 1994 — aprovação da lei de autorização, em votação final global, após rejeição de requerimentos de avocação pelo Plenário, de vários tipos (votos a favor do PSD e PSN, votos contra do PS, PCP, CDS-PP, Os Verdes e dois Deputados independentes; Diário da Assembleia da República, 2.* série-A, n.° 53, de 14 de Julho de 1994—, relatório e texto final de CACDLG, propostas de alteração e declarações de voto.
(2i) Seguiremos de perto a doutrina citada nos pareceres n.01 12/91, de 24 de Abril, 37/91, de 11 de Julho, e 38/92, de 10 de Março de 1993, pendentes de homologação, e considerações neles produzidas.
der, na expressão de Luhmann, «a capacidade regeneradora da normatividade» (22).
Porém, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei — afirma-se no artigo 7.° do Código Civil.
Como se lê no n.° 2 do mesmo preceito, «a revogação pode resultar [...] da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a lei regular toda a matéria da lei anterior».
E acrescenta-se no n.° 3: «a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
A revogação diz-se tácita quando deriva de «um conflito directo e substancial entre os preceitos das duas leis ou a circunstância de uma lei estabelecer um novo regime, completo, das relações em causa, regulando toda a matéria já disciplinada pela anterior, pois daqui se deduz a vontade do legislador de liquidar o passado, estabelecendo um novo sistema de princípios completo e autónomo (*).
Não é frequente a prática de o legislador proceder à revogação expressa. Bem pelo contrário.
Quando muito o legislador «revoga expressamente os preceitos que pretendia substituir e, quanto aos restantes, deixa ao intérprete a verificação da sua incompatibilidade com os novos textos» (*')•
No fundo, o problema reconduz-se, por via de regra, a uma questão de interpretação, isto é, de descoberta da vontade legislativa. Pôr a claro o sentido e alcance da lei traduz-se não só em revelar o sentido que se abriga por detrás da expressão como ainda eleger o verdadeiro de entre os vários que possam estar cobertos pela mesma.
A interpretação não pode ficar-se pelo sentido que de imediato resulta da lei, devendo socorrer-se dos diversos utensílios da hermenêutica, combinando-os e controlando--os numa tarefa de conjunto, de modo a descobrir o sentido legislativo da norma no todo do ordenamento jurídico.
A revogação pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei onde se manifesta uma vontade mais actual do legislador (lex posterior derogai priori).
Na revogação de sistema, embora não haja revogação nem expressa nem tácita (no sentido de as normas não serem incompatíveis), todavia, a intenção do legislador é a de erigir certo diploma no único e completo texto de regulamentação de certa matéria (23).
Pode a revogação ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação), consoante determinado diploma é substituído no seu conjunto ou apenas em parte.
Anote-se ainda que a revogação tácita apenas se verifica na medida da contraditoriedade: a lei precedente só é ab-rogada até onde for incompatível com a nova lei; onde tal contraditoriedade não tenha lugar é possível a coexistência e compenetração da lei anterior parcialmente revogada com a lei nova modificadora (24).
5.2 — Mais uma referência ainda a propósito do n.° 3 do artigo 7° do Código Civil.
Segundo Vaz Serra, «o problema é, pura e simplesmente, de interpretação da lei posterior, resumindo-se em
t}1) L'unité du système juridique, in «Archives de Philosophie du Droit», t. 31, SIREY, 1986, p. 188.
(*) Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.' ed., I vol., p. 45. Ibidem, junto de F. Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3.* ed., Coimbra, 1978, p. 194.
(*') Oliveira Ascensão, O Direito — Introdução e Teoria Geral, 4." ed., Verbo, 1987, pp. 237 e segs.
Ç3) Castro Mendes, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1984, pp. 114 e segs.
Ç2*) Francesco Ferrara, op. cit., p. 193.