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II SÉRIE-C — NÚMERO 19
Comissão de Assuntos Europeus
Relatório e anexos relativos à Agenda 2000
Não seria admissível que a Assembleia da República menosprezasse o «momento político europeu» em que decorre a apreciação da Agenda 2000, documento fundamental sobre o qual, certamente, assentarão os próximos anos futuros da União Europeia; e, do mesmo modo, a minimização da crise institucional que vive a UE constituiria, necessariamente, uma inconsciência política grave e demonstrativa de um modo de estar que não corresponde verdadeiramente à postura política e aos desígnios de Portugal.
Se a Agenda 2000 pretendia concorrer — como foi salientado, oportunamente (relatório intercalar — Diário da Assembleia da República, 2° série-C, n.° 14, do dia 13 de Fevereiro de 1999) — para o aprofundamento e para o alargamento da União Europeia, a realidade de agora veio alertar-nos ou confirmar-nos uma ausência de dinamismos criadores que perspectivem ou simplesmente promovam concepções novas para a nossa «última das utopias», no dizer de J. M. Domenach.
Estamos confrontados, em vésperas do Conselho Europeu de Berlim, com um somatório de egoísmos que não só descredibilizam o testamento dos «pais fundadores» como até, também, tendem a abastardar ou mesmo desrespeitar a letra dos tratados.
Neste contexto, a Agenda 2000 tornou-se uma referência essencial para a percepção de como os Estados membros estão óu não motivados para encontrar soluções para as dificuldades existentes em alguns dos Quinze,, como é o caso de Portugal, cujo esforço é, normalmente, apreciado positivamente pelos seus parceiros comunitários, mas que está longe ainda de alcançar patamares dé coesão económica e de coesão social que permitam aspirar a uma convergência real. Verdadeiramente, no fundo, o problema parece residir na falta de solidariedade, o que confere a ideia de que a Europa do século xxi poderá ser outra que não aquela que se foi desenvolvendo a partir do Tratado de Roma.
Nada é possível sem os homens — sublinhou Jean Monnet, que, no entanto, vincou: «nada é durável sem as instituições. Ora, são elas próprias, instituições, que ficam em causa pelas opções dos homens...»
E é a instituição União Europeia que pretendia, por vezes, afirmar-se como uma «fortaleza político-econômica», que inesperadamente (?) mergulhou numa crise com a demissão em bloco da Comissão — entidade que, curiosamente, é, e deve normalmente ser, na original arquitectura europeia, a que mais tende a defender os mais pequenos e menos poderosos Estados membros.
Todavia, a renúncia da Comissão poderá transportar virtualidades: desde logo o chamar a atenção da opinião pública (sobretudo, da opinião que se publica) para o sistema político, económico e social em que os povos estão inseridos, principalmente para a necessidade de acompanhamento e de controlo por parte de uma instância — o Parlamento Europeu —, cujas competências têm vindo a crescer e que o Tratado de Amsterdão reforça na sua capacidade de intervenção, designadamente aumentando os processos de co-decisão, como, aliás, de modo exemplar se verifica no relatório da Comissão de Assuntos Europeus sobre á proposta de resolução n.° 118/VH (aprova, para ratificação, o Tratado de Amsterdão), da autoria do Deputado e presidente da Comissão de Assuntos Europeus, Medeiros Ferreira, conforme sugestão da própria Assembleia da República, plasmada na Resolução n.° 47/97, de 12 de Julho.
Sendo este o panorama dos «idos de Março» de 1999, não poderia nem deveria este relatório da Comissão de Assuntos Europeus sobre a Agenda 2000 deixar de o frisar, quando pretende dar o testemunho do trabalho desenvolvido e que teve a possibilidade e a particularidade de reunir personalidades de reconhecido mérito que proporcionaram contributos inestimáveis: do Prof. Jorge Braga de Macedo aos eurodeputados portugueses, dos secretários regionais dos Açores, Roberto Amaral, e da Madeira, José Agostinho Gouveia, aos membros portugueses do Comité Económico e Social, de um conjunto de peritos ao comissário europeu Prof. João de Deus Pinheiro.
A Comissão de Assuntos Europeus não pode, igualmente, deixar de prestar atenção ao debate ocorrido em 11 de Fevereiro no Plenário da Assembleia da República e às afirmações aí produzidas por diversos Deputados de diferentes opções e constantes no Diário da Assembleia da República, 1." série, n.° 47, bem como às resoluções propostas pelo PCP e, conjuntamente, pelo PSD e CDS-PP (v. Diário da Assembleia da República de 26 de Fevereiro) e adoptadas com o voto contra do Grupo Parlamentar do PS.
Anote-se que a este relatório se anexam trabalhos realizados a solicitação do relator, designadamente dos Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira (fundos estruturais), Rolando Lalanda Gonçalves (regiões ultraperiféricas), Sílvio Rui Cer-van (política agrícola comum) e Francisco Torres (fundo de coesão). Do mesmo modo, constará apensa documentação que alguns dos peritos entregaram à Comissão de Assuntos Europeus.
O problema essencial
A questão central da Agenda 2000 é, neste tempo, a das perspectivas financeiras para os próximos sete anos. Ou seja: que dinheiro disporá a União Europeia para ocorrer às diferentes políticas comunitárias? E do ponto de vista de Portugal consiste em saber se os fluxos financeiros provenientes da União Europeia se mantêm ou se se alteram, e em que sentido poderá haver ou não benefícios. E a certeza que há já é que haverá, em princípio, uma estabilização da despesa— o que necessariamente obriga a uma contenção nas ajudas e mesmo à redução em número e em dotação financeira das iniciativas comunitárias (desde já desaparece o Programa RÉGIS, que afectará as regiões ultraperiféricas dos Açores e da Madeira. Terá de se procurar noutras iniciativas e programas, nomeadamente no INTERREG, a possibilidade de adoptar políticas para aquelas regiões).
Ao persistirem em manter o tecto de 1,27% do PNB, os Quinze não dão mostras de compreender que o entusiasmo do alargamento tem uma factura que ignoraram ou que, agora, propositadamente, esquecem. Impõe-se, porém, que se assinale a evidente contradição que atravessa a União Europeia. De facto, as orientações restritivas impostas para a 3.° fase da UEM (União Económica e Monetária), designadamente os tão propalados «critérios de convergência» e agora o pacto de estabilidade, não facilitaram a criação de condições que proporcionassem aos Estados membros aderirem à reconhecida necessidade de aumentar os recursos próprios de modo a poder-se enfrentar o alargamento. E 0,11% do orçamento fica cativado para as ajudas de pré-adesão e logo deve-se considerar que o orçamento conta apenas com 1,13% do PNB, visto que também 0,3% é retido para reservas.
Por outro lado, a Comissão não teve o cuidado de considerar de maneira mais substantiva os efeitos do euro nas várias economias, bem como as suas incidências soVír. q