25 DE MAIO DE 1988 377
figurar neste serviço público, o que, provavelmente, não será muito fácil de explicar nem de fazer aceitar pelos trabalhadores dos jornais, que não há razão nenhuma para marginalizar. Tirando esta divergência, estamos de acordo em que o Estado, pelo menos neste momento, e em Portugal não deve ficar fora da produção de comunicação social.
Quanto ao regime de licenciamento, tivemos a preocupação de que não fosse o Estado a autorizar, mais ou menos discricionariamente, mas com base num regime legal pré-definido do regime de licenciamento, quer da televisão quer das rádios privadas. Entendemos que deve ser criado um órgão independente do Estado para o regime de licenciamento e que, nomeadamente, a criação desse órgão deve ser definida num "estatuto da informação". Donde resulta que esse estatuto da informação deve constar de uma lei de natureza paraconstitucional, que como tal deve ser aprovada por maioria qualificada de dois terços. Por que é que entendemos isto? Porque se há sector no qual um consenso alargado seja fundamental, é exactamente este. Porque? Porque senão as coisas mudam de governo para governo, de partido maioritário para partido maioritário, e nunca em lermos de estabilidade mínima num domínio em que a estabilidade e ouro.
Temos seguramente de fazer um debate muito sério a este respeito e o mais profundo possível. Mas a nossa convicção é de que não haverá paz, neste domínio, se não tivermos a consciência de que isto não pode ser deixado ao sabor do Govêrno que está e, que só por estar, poderá revogar o que fez o Govêrno anterior e, por seu turno, ver revogado aquilo que ele próprio acabou de fazer. É uma observação fundamental. Por ora não queria esgotar o tema, mas a nossa firme convicção é de que devemos fazer um esforço, ainda que tenhamos a necessidade de, em sede constitucional ou até, e de preferência, fora dela, começarmos a definir os princípios que hão-de reger esse estatuto da informação.
Esteve previsto, como se sabe, na Constituição originária. Entendemos depois, porque não fomos capazes disso, que deveríamos abdicar de o fazer. E não fomos capazes, exactamente porque nunca tentámos fazê-lo na base de consensos mais alargados. Esse esforço não é tão impossível como isso. Mas não nos entendermos neste pormenor, isto pode envenenar muitos outros aspectos, que desejamos saudáveis, da revisão, constitucional. Toda a gente sabe que, ligado à televisão, também à rádio, e também aos jornais, existe a possibilidade de muito poder. Poder que tanto pode ser exercido num sentido saudável, democrático e positivo para o País como pode ser exercido em sentido contrário a todos estes valores.
Faço aqui um apelo, muito sincero e muito firme, a que façamos um esforço, um primeiro grande esforço de nos aproximarmos e encontrarmos soluções que possam representar o mais largo consenso possível. Quando digo largo consenso, não me refiro só ao PSD e ao PS, mas a todos os partidos envolvidos nesta discussão. Creio que há aspectos que desde já estão muito próximo de adquiridos. Não levarão a mal que eu ponha toda esta ênfase na discussão desta pendência.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o relatório não o espelha, mas o PCP também tem uma proposta nesta matéria.
Vozes.
A proposta do PCP sobre esta matéria e talvez sobre um dos aspectos de coração, de cerne desta matéria, consta do artigo 164.°, n.º 2, alínea b), e teria sido útil referi-la porque é uma proposta fortemente alteradora do quadro actual de competências entre dois órgãos de soberania, os quais tem fronteiras bastante dolorosas e doloridas. Naturalmente, a solução é polémica e envolve melindrosos problemas de arquitectura constitucional, mas procura ir ao encontro de uma das preocupações aqui afloradas. Apenas gostaria, neste quadro, de relembrar que a proposta existe e, portanto, deverá ser considerada. Permitia-me não a abordar nesta sede, e neste momento gostaria antes de fazer algumas considerações sobre a questão geral que está equacionada.
Pela nossa parte, entendemos também que este é um dos pontos mais relevantes deste processo de revisão constitucional. Acompanhámos e fomos, como os outros partidos, protagonistas dos debates que tiveram lugar na anterior legislatura, sobre certas iniciativas legislativas tendentes a mudar profundamente o panorama do enquadramento legal dos meios áudio-visuais em Portugal. Participámos e participaremos no debate público respeitante à situação existente em Portugal e ao que nos parecem ser perspectivas que salvaguardem a liberdade de expressão e os direitos dos cidadãos, designadamente o direito à informação.
Em relação ao articulado constitucional, gostaria apenas de sublinhar o seguinte: pela nossa parte, não consideramos que se possa sustentar a identificação - que aparece muitas vezes, por parte de alguns dos mais ferozes adversários deste regime constitucional, neste ponto e noutros - entre a liberdade de imprensa, a liberdade de criação e a liberdade de expressão. Este artigo tem raízes que não mergulham só no processo revolucionário mas também na nossa história e na experiência de outros países - algumas dessas soluções viram a sua bondade testada e, em certos casos, muito ferida pela evolução verificada em Portugal. Entendemos que a responsabilidade principal por essas feridas partiu, precisamente, de alguns dos que agora se reclamam do desmantelamento dos mecanismos constitucionais. Pela nossa parte, não podemos partilhar nenhum anátema em relação à existência e às virtualidades de um sector público; partilharemos todas as críticas, quaisquer que sejam as suas procedências, que assinalem os desvios, as entorses e mesmo as violações flagrantes do regime constitucional em relação ao uso dos meios do sector público. Não enjeitaremos, a título nenhum, as observações vindas do CDS de crítica ao uso de meios do sector público de comunicação social, desde que fundadas e objectivas. Seremos, nós também, prontos a anotadas - só que não entendemos que sejam males congénitos do sistema, tal qual se encontra erigido e edificado. Entendemos antes que são perversões feitas ao serviço de uma lógica e de um projecto que pretende obter agora o seu prémio de consolação, de sagração de um acquis de destruição que foi sendo obtido ao longo destes anos.
Isto aplica-se, naturalmente, ao sector público nas suas diversas componentes e aplica-se, em particular, à RTP. Quem disse que, constitucionalmente, a televisão pública tem de ser chata, banal ou manipulada? Ninguém! A não ser aqueles que o fizeram. Quem disse que tem de ser concentrada numa só empresa? Ninguém! O regime constitucional é compatível com uma pluralidade de empresas públicas. Quem disse que não tem de dar o lugar devido às regiões? Quem disse que não pode ser objecto de formas de apropriação imaginativa, por diversas entidades públicas? Absolutamente ninguém! Seguramente, não a Constituição. Significativamente o disseram os que exerceram o poder nestes anos, da forma que a história regista - e isso não e alterável.