O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

22 DE JULHO DE 1988 839

é que no projecto do PSD não vejo configurada essa abertura enorme em que esteja abrangido o cenário do PCP no Governo. Por uma razão simples: se o admitissem minimanente, proporiam ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então, o Sr. Deputado não reparou que deixámos à lei a possibilidade de se fazerem nacionalizações, propositadamente, para quando o PCP for governo? Pelo menos, propusemos no artigo 82.° que a lei determinasse os meios e as formas de intervenção e de nacionalização. O PCP, quando for governo, pode utilizá-lo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado está a assustar o CDS...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Oxalá que um dia o PCP seja governo!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade admite sempre democraticamente as alternativas. E o problema assume particular relevância quando há exercício do poder por partidos que têm uma visão escatológica.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faria incidir a minha intervenção sobre uma parte da proposta do PS que diz respeito às privatizações e, em particular, sobre a necessidade apontada pelo PS de uma lei quadro de reprivatizações ter de vir a ser aprovada por maioria qualificada de dois terços. Esta questão foi abordada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, referida de novo pelo Sr. Deputado António Vitorino e, de certo modo numa lógica "do mal o menos", apontada pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Quanto a esta questão, e sob pena de vir de certo modo referi-la lateralmente, em virtude do facto de essas intervenções já não incidirem necessária e directamente sobre ela, pretendia apenas fazer uma pequena abordagem da nossa posição relativamente não já ao artigo 83.° mas ao artigo 82.° e que é a de que as privatizações devem ser objecto de uma lei aprovada por maioria simples. A razão é esta: sem pretender desprezar o sentido das maiorias como matriz da tomada de decisão, penso que é importante contrapor aqui a maioria qualificada apontada pela Constituição à maioria simples apontada na nossa proposta e fazer alguma reflexão sobre a função que o próprio princípio maioritário desenvolve na tomada de decisão legislativa. De facto, o princípio maioritário constitui uma regra de procedimento que envolve obviamente uma dosagem de legitimidade por virtude do consenso, mas também uma tónica acentuadamente processual, porquanto é exactamente através desse princípio que a decisão vem à luz e é tomada. Não é, contudo, sem razão que a democracia, aspirando ao consenso, consagra o princípio maioritário e não, por exemplo, o princípio da unanimidade. É que estão aqui em confronto, por um lado, a legitimidade pelo consenso e, por outro, a necessidade da tomada de decisão, isto é, a necessidade de funcionamento do sistema. Daí que o princípio maioritário tenha uma função - passe o pleonasmo - funcional, do ponto de vista do princípio democrático. Ou seja, a maioria coenvolve, em primeiro lugar, uma dosagem de consenso e, em segundo, tem uma função desempatante da criação da decisão.

Não é sem razão que muitos teóricos têm incidido na necessidade - nesse sentido alinho e todos nós, como democratas, o faremos - de apontar à democracia pontos de legitimidade substancial, isto é, entender que o princípio maioritário não resolve por si só o quociente de legitimidade das tomadas de decisão e apontar para que as decisões devem, além disso, carrear um sentido material de legitimidade que se cifra no respeito pela Constituição e pelos princípios materiais do Estado de direito. Nesse sentido, pergunto: apontando a Constituição o quadro dos direitos fundamentais, o quadro da organização económica, o quadro da organização política, isto é, sendo ela já o baluarte ou o ponto de referência pelo qual se há-de aferir não só a legitimidade processual mas também a legitimidade substancial das decisões, por que é que vamos aqui criar um sistema de procedimento que nos obriga a uma hierarquização de matérias, que é em si controversa? Por que é que a organização económica é, por exemplo, na óptica do PS, mais importante do que a limitação, as restrições dos direitos fundamentais, para as quais, segundo me recordo, o CDS propôs aquilo a que o próprio chama leis orgânicas? Será esta obsessão pela preeminência do aspecto económico de certo modo ainda a marca de origem do PS? Isto interessa para tirar a conclusão de que, ao revermos a Constituição no quadro de um conjunto de princípios de obediência à democracia e ao Estado de direito, devemos ter em conta, em primeiro lugar, a própria suficiência da Constituição como, essa sim, lei quadro de todas as decisões e, em segundo lugar, a funcionalidade do órgão legislativo ordinário, a Assembleia da República, no âmbito da tomada de decisões.

A não ser assim, o que é que vai acontecer? Vai acontecer que a lei fundamental deixa de o ser pelo facto de existirem várias e, em consequência, descaracteriza-se. Como tal, vai acontecer que a Constituição passa a si própria um atestado de dúvida à legitimação das decisões pelo órgão legislativo ordinário, pela Assembleia da República, que não passem pela maioria não qualificada, vai acontecer que a Constituição hierarquiza matérias e prejudica as que figurarão abaixo das eleitas, cifrando-se a mesma Constituição apenas num quadro ou apontamento das percentagens necessárias para a criação da legislação ordinária. Isto é, a Constituição passará a ser uma espécie de quadro de pesos e medidas, de percentagens, o que me parece negativo.

Não é a fúria liberalizante do PSD que leva a que se aponte a maioria simples para as reprivatizações. Nós sabemos que a decisão legislativa tem os quadros de referência e de limitação próprios da Constituição, próprios do princípio do Estado de direito, próprios do controle do próprio poder legislativo, através, por exemplo, do Tribunal Constitucional. A maioria simples não é um cheque em branco, mas sim, quando muito, e na lógica do que já referi, a necessidade de desbloqueio. Não é uma fúria liberalizante, não é um devaneio de fazer as liberalizações de qualquer modo, mas apenas uma atestado de confiança à Constituição