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856 II SÉRIE - NÚMERO 29-RC

Esta era a primeira preocupação que não quereria deixar de exprimir aqui, porque a norma jurídico-constitucional, tal qual se encontra redigida e com esta sede, tem uma função jurídico-constitucional muito específica e a sua alteração, a sua eliminação ou a sua transposição sem aclaramentos adequados poderia, porventura, suscitar algumas das tais tão temidas hermenêuticas perversas, conduzindo a dificuldades acrescidas à admissibilidade de medidas que visem tutelar certos interesses, designadamente de carácter público eminente, mas que contendam com a garantia constitucional da liberdade da iniciativa privada.

E isto me conduz ao segundo aspecto, qual seja o da "imunidade de gestão". Constitucionalmente as empresas privadas não têm imunidade de gestão, isto é, a sua gestão não é imune a certa margem de intervenção pública. O Partido Socialista pôs ontem, nesta matéria, cartas na mesa, de forma claríssima. Em termos práticos, sabemos que há muitos anos, muitos, muitos anos, desde o Decreto-Lei n.° 90/81, de 28 de Abril, que está suprimida, em Portugal, a legislação que regulou, em determinado momento, a intervenção estadual em empresas privadas. No entanto, a questão que se pode colocar é talvez outra. É que, quando pensamos na intervenção na gestão de empresas privadas, a reflexão arrisca-se a ficar empobrecida se for feita demasiado sobre o quadro histórico que presidiu, em 1974, à elaboração de normas excepcionais - de resto, para darem resposta a uma situação, ela própria, excepcional. A fórmula constitucional, tal qual se encontra redigida, e tal qual é susceptível de ser interpretada e aplicada, pode abranger não apenas um tipo de intervenção, não apenas uma fórmula interventiva, mas diversos tipos de fórmulas e, mais ainda, diversos graus de intervenção. A intervenção substitutiva é, como se sabe, apenas a intervenção máxima; pode haver outras formas de intervenção, de condicionamento da gestão de empresas privadas. É óbvio que o Estado pode sempre fazê-lo através do mecanismo "cifrónico", isto é, o Estado pode comprar uma participação e, se o fizer, tem direito a intervir na gestão, se isso for previsto estatutariamente ...

O Sr. Presidente: - Nessa qualidade, não enquanto Estado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Movendo-se na esfera própria do direito comercial com todas as garantias, com todas as prerrogativas e com todas as limitações, uma vez que não está nas vestes de auctoritas.

O Sr. Presidente: - Não é disso que estamos a tratar. Isso será uma entidade privada como outra qualquer.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, estamos a tratar manifestamente de outra coisa: é dos meios, das situações em que o Estado, como tal, pode intervir num grau, que devemos ver em arco-íris, do mais para o menos, numa escala que pode ir de zero a n.

A alteração proposta pelo PSD é radical, exceptuada a interpretação do Sr. Deputado Jorge Lacão, feita onde cautelarmente, por pura utilidade retórica e para precipitar a reacção, que parece que foi precipitada, do PSD. Essa interpretação não é possível. Se se fosse pelo caminho que o PSD pretende, se se suprimisse pura e simplesmente o artigo 85.°, n.° 2, não haveria qualquer possibilidade, nem mediante decisão judicial, nem mediante qualquer outra fórmula, de intervenção transitória na gestão das empresas privadas. É isso que o PSD quer, é esse o objectivo pelo qual se bate.

A proposta do PS é, obviamente, um menos em relação ao mais constitucional. Apesar de tudo, fico com esta dúvida: O PS não pretende diminuir essa gama de situações possíveis, esse poder de o legislador estabelecer fórmulas variáveis para a intervenção na gestão; pretende, tanto quanto percebi, é condicionar tudo isso a prévia decisão judicial. Em segundo lugar, pretende desfuncionalizar a intervenção. Isso é que já não percebo, porque a norma, na sua redacção actual, garante melhor a margem de "imunidade" da gestão privada, porque estabelece que a intervenção do Estado, além de ser transitória, só pode ter lugar para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores. O PS suprime essa cláusula e limita-a a uma garantia de legalidade, isto é, de prévia tipificação legal (não especificando de resto que tipo de lei é que é, mas aí a situação não é diferente daquela que actualmente caracteriza a redacção do preceito), mediante prévia decisão judicial. Porquê a supressão deste elemento de definição teleológica? Dir-se-ia que isto joga completamente ao arrepio da linha de argumentação do Sr. Deputado Jorge Lacão e do Sr. Deputado Almeida Santos hoje.

O Sr. Presidente: - Não, porque noutro artigo nós fazemos uma proposta no sentido de submetermos o exercício da iniciativa privada a regras de interesse colectivo, de interesse geral, que ficou inserida noutro local. Nós, pela primeira vez, dizemos claramente que o exercício da propriedade e da iniciativa privada deve ser submetido a princípios de interesse geral. Claro que se a lei vai definir os casos de intervenção, não vai defini-los de acordo com outro interesse que não seja o geral. Isso é a característica da lei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado está a referir-se à proposta do PS relativa ao artigo 61.°, que diz "a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral".

O Sr. Presidente: - Exacto, tendo em conta o interesse geral.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só que não é essa a questão que estou a colocar. Do que se trata aqui não é do quadro em que a iniciativa privada se move: é dos elementos pelos quais o Estado tem de definir-se quando se decide a intervir na gestão transitória das empresas privadas.

O Sr. Presidente: - Não vejo por que é que faz cá falta a recondução à defesa de interesses privados, porque isto está lá atrás. É um dever, é um dos deveres da iniciativa privada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado, o que está no artigo 85.°, n.° 2, a referência ao interesse geral e aos direitos dos trabalhadores não diz respeito às empresas privadas como tais. É um elemento de condicionamento da intervenção do Estado na vida