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858 II SÉRIE - NÚMERO 29-RC

de propostas tendentes a conferir à liberdade de iniciativa privada um estatuto que se situaria nos antípodas daquele que actualmente tem no nosso sistema constitucional. O PSD propõe simultaneamente as normas que aqui estamos a examinar e outras, designadamente algumas das que foram lembradas pelo Sr. Deputado Miguel Macedo respeitantes à própria propriedade privada, e, por outro lado, propõe a supressão do controle de gestão dos trabalhadores, o que não tem nada a ver com o artigo 85.°, n.° 2, embora possa ser, e é, um elemento de limitação da liberdade da iniciativa privada num dos seus vectores, porque acarreta uma determinada margem de limitação da liberdade de gestão dos empresários (isso é uma componente do próprio modelo de empresa constitucionalmente consagrado). Só que tal não tem absolutamente nada a ver com a questão que estamos a discutir, embora tenha a ver com as ambições do PSD e tenha a ver também com a sua gama de propostas.

Tudo isto nos conduz à terceira questão, que é a da delimitação de sectores, e aí o Sr. Deputado Miguel Machedo apenas ofereceu o mérito da leitura da proposta. Creio que é muito pouco. Na presente situação é mesmo razoavelmente intransparente, na medida exacta em que nenhum de nós ignora qual seja o quadro que se desenha nesta matéria, dadas as posições que o Governo tem vindo a anunciar publicamente e, mais do que isso, já assumiu nesta Assembleia com a entrada em 9 de Abril da proposta de Lei n.° 47/V, que visa autorizar o Governo a alterar a Lei n.° 46/77, de 8 de Julho. O Governo alega aí, entre outras coisas, que "a adesão de Portugal à CEE postula(ria) a obrigatoriedade de revisão da Lei de Delimitação de Sectores" para operar aquilo a que o Governo chama a "libertação do nosso tecido económico de entraves legais não justificáveis à livre iniciativa empresarial". O Governo entende que é "urgente promover reformas que dotem a economia nacional das mesmas condições e dos mesmos meios de que dispõem os restantes Estados membros para enfrentarem o desafio do mercado único europeu" e extrai deste objectivo político a necessidade de suprimir o que resta da Lei n.° 46/77, uma vez que esta foi, ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei n.° 11/83, de 16 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.° 46/83, de 19 de Novembro, que permitiu o acesso de entidades privadas às indústrias adubeira e cimenteira. Por outro lado, legislação aprovada na mesma altura permitiu o acesso de empresas privadas à banca, às actividades bancárias e seguradoras.

O que é que o Governo pretende? O PSD não pode escondê-lo aqui na Comissão, porque isso é publicamente assumido, e será de resto objecto de debate na Assembleia da República. Pretende que sejam abertas a entidades privadas, e a outras entidades da mesma natureza, as seguintes actividades: a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público; a produção e distribuição do gás para consumo público; os serviços complementares de telecomunicações, bem assim os serviços de telecomunicações de valor acrescentado, o que quer que isto seja; os transportes aéreos regulares interiores; os transportes ferroviários que não sejam explorados em regime de serviço público; os transportes colectivos urbanos de passageiros nos principais centros populacionais; as indústrias petroquímicas de base, siderúrgica e de refinação de petróleos. O Governo pretende ainda alterar as normas que impedem empresas mistas em algumas destas áreas e, por outro lado, visa conseguir autorização para que seja permitida a exploração ou gestão das actividades que acabei de referir em regime de concessão por entidades privadas. Devo dizer que, pela nossa parte, consideramos esta proposta inconstitucional, porque, como é evidente, confere um carácter puramente, mas puramente residual, à extensão da delimitação de sectores básicos da economia. E confere-o desde logo expurgando-o de todos os que são básicos em termos económicos na indústria (remanesceria tão-só um só sector de carácter estratégico, segundo critérios aliás não económicos, que é o sector da indústria de armamento). Por outro lado, o Governo quereria esvaziar drasticamente o elenco dos demais sectores vedados, o que, por efeito cumulado com o já produzido pela Lei n.° 11/83 e pelo Decreto-Lei n.° 406/83 e legislação complementar, feriria o conteúdo essencial do artigo 85, n.° 3, da Constituição que agora estamos a discutir. Por outro lado, ao prever, no n.° 3 do artigo 1.° dessa proposta de lei, a exploração ou a gestão por entidades privadas de actividades económicas e dos sectores industriais de base constantes dos artigos 4.° e 5.° da Lei n.° 46/77 em regime de concessão, o Governo quer violar o disposto no artigo 89.° da Constituição da República, que proíbe as formas de exploração pretendidas. O Governo pretende inverter a lógica e os princípios fundamentais consignados na constituição económica, não só neste artigo que estamos a apreciar mas noutros, designadamente nos artigos 81.° e 90.°, n.ºs 1 e 2, bem como no artigo 9.°, alínea d)t representando tudo isto a subversão, na prática, desses normativos e constituindo claramente uma revisão antecipada e ilegítima da Constituição da República.

É nesta situação que estamos. Pior ainda: na versão final da lei de privatizações aprovada na Assembleia da República, que foi objecto de fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional, dando origem ao Acórdão n.° 108/88, a Assembleia da República, ao que parece, revogou ou alterou uma das componentes da versão originária da proposta governamental sobre a mesma matéria, proposta essa que previa que o normativo de "quarenta-e-nove-porcentização" só se aplicasse a empresas que "não" se situassem em sectores básicos vedados. A situação criada é surrealista. Na proposta originária, o Governo previa que fosse legitimada a "quarenta-e-nove-porcentização" de empresas públicas, mas apenas empresas públicas não situadas em sectores vedados; num segundo momento, através da proposta de lei n.° 47/V, vinha-se esvaziar o conteúdo de sectores básicos vedados (portanto poderiam ser "quarenta-e-nove-porcentizadas" empresas situadas em sectores vedados face à actual Lei n.° 46/77, mesmo com o conteúdo diminuído decorrente da sua revisão pelo bloco central). Actualmente, o Governo e o PSD pretendem tudo o que pretendiam e mais alguma coisa. Pretendem "quarenta-e-nove-porcentizar" toda a espécie de empresas, mesmo situadas em sectores básicos, e pretendem acabar com os sectores básicos. A dimensão da operação ensejada inicialmente no fim de 1987 alargou-se estrepitosamente durante o ano de 1988, e designadamente por força do impulso da redacção na especialidade da "lei dos 49%". É esta a situação em que estamos.