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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Como todos sabemos, estão previstas para hoje audições ao Sr. Ministro da Justiça, ao Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, ao Sr. Procurador-Geral da República e aos Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional em torno da matéria relativa ao artigo 33.º da Constituição e, particularmente, à problemática da extradição.
Aproveito para cumprimentar e agradecer a presença dos Srs. Ministros da Presidência e da Defesa Nacional e da Justiça, que foram, por entendimento unânime da Comissão, convidados a partilhar connosco algumas reflexões sobre o tema, com a finalidade de procurarmos, na sequência, aliás, de uma reflexão alargada tida na fase da primeira leitura dos projectos da revisão constitucional, ponderar o alcance da norma actualmente em vigor na Constituição Portuguesa sobre a proibição da extradição por crimes a que corresponda a pena de morte, a possibilidade de rever este dispositivo, designadamente tendo em vista outras realidades, como sejam as da prisão perpétua, e também as possibilidades de actualização da norma face àqueles que são os compromissos externos do Estado português no domínio do combate ou da prevenção do crime. Nessa medida, a presença dos Srs. Ministros da Presidência e da Defesa Nacional e da Justiça é particularmente importante para ajudar a Comissão neste processo de reflexão.
Os Srs. Ministros usarão da palavra, se assim o entenderem, para um depoimento inicial sobre a matéria e, depois, seguir-se-ão os pedidos de esclarecimento que os Srs. Deputados tenham por convenientes.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com muito prazer que aqui estou neste Parlamento, como sempre, agora a propósito dos trabalhos da revisão constitucional e mais especificamente, como o Sr. Presidente disse, das matérias da extradição.
Penso que o meu depoimento poderá, porventura, ter mais utilidade para os Srs. Deputados se eu puder dar uma visão dos trabalhos que têm estado a ser seguidos no âmbito da União Europeia, designadamente em matéria de cooperação judiciária de natureza penal e em matéria de extradição.
Há relativamente pouco tempo, tiveram VV. Ex.as oportunidade de discutir e votar, neste Parlamento, uma convenção da União Europeia, que é a Convenção relativa ao Processo Simplificado de Extradição, convenção já assinada por Portugal em 1995, como, aliás, pelos restantes Estados-membros, e que não tem directamente a ver com este problema.
Pouco tempo depois da assinatura desta Convenção, terminaram os trabalhos sobre uma convenção genérica, entre os Estados-membros da União Europeia, relativa à extradição, não apenas ao processo simplificado de extradição, que foi o que já veio ao Parlamento, mas sobre a extradição em geral. É a chamada Convenção de Dublin, que, dentro de pouco tempo, penso que até ao fim do ano, virá aqui ao Parlamento para os Srs. Deputados a poderem discutir e votar.
A propósito dessa Convenção, precisamente porque a sua assinatura foi posterior a um acórdão do Tribunal Constitucional, que veio, digamos, de certo modo, criar doutrina sobre alguma problemática da extradição, Portugal teve de fazer reservas no quadro da discussão dessa Convenção, porque tinha um conjunto de limitações advindas desse acórdão do Tribunal Constitucional, que é vulgarmente conhecido por "Acórdão Varizo".
Efectivamente, nesse "Acórdão Varizo", discutia-se um problema de extradição para os Estados Unidos da América por um crime a que poderia caber, em abstracto, uma pena de prisão perpétua. Se confrontarem o texto desse acórdão, a verdade é que, perante um conjunto de garantias dadas quer pelo Ministério Público quer pelo magistrado judicial, verificarão que o acórdão acabou por se inclinar para negar a extradição, visto que, embora existissem essas garantias, era sempre teoricamente possível que a prisão perpétua fosse aplicada.
Não vou, obviamente, maçar os Srs. Deputados com leituras longas do acórdão, mas dele se deduz, com clareza, que, desde que seja teoricamente possível a aplicação de uma pena de prisão perpétua, a verdade é que, mesmo com as garantias, que, neste caso, eram dadas quer pelo acusador público - o Ministério Público - quer pelo juiz do processo - e apesar de, neste caso, haver outros co-réus, porventura com responsabilidades agravadas em relação a esse arguido, que não tinham sofrido penas de prisão perpétua, tendo o juiz condenado a multas até vinte anos e dito que não condenaria -, mesmo assim, é evidente que era juridicamente possível e admissível que acabasse por haver uma pena de prisão perpétua, no entender do Tribunal Constitucional.
Este acórdão do Tribunal Constitucional veio, pouco tempo depois, a dar lugar a um outro acórdão, esse do Tribunal da Relação de Lisboa, em que os Srs. Magistrados partiram do mesmo princípio, seguindo o acórdão do Tribunal Constitucional, dizendo: "Perante a hipótese de uma pena aplicável em abstracto, no fundo, este acórdão chega à conclusão de que, por mais garantias que sejam dadas, não poderá haver extradição". Aliás, o acórdão é até crítico em relação à doutrina do Tribunal Constitucional, mas a verdade é que, mesmo criticando-a, não consegue furtar-se a ela.
A partir destas decisões, começámos a ser confrontados, no quadro da União Europeia, com uma situação difícil. Efectivamente, vários países levantaram o problema de, a ser assim, Portugal não estar em condições de assegurar o cumprimento da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen. Efectivamente, em relação ao artigo 5.º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen, Portugal fez uma reserva que diz o seguinte: "A República Portuguesa não concederá a extradição de pessoas quando reclamadas por infracções a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo. Todavia, a extradição será concedida sempre que o Estado requerente assegure promover, nos termos da sua legislação e da sua prática, em matéria de execução das penas, as medidas de alteração de que poderia beneficiar a pessoa reclamada".
Ora, tendo esta Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen sido assinada e ratificada por Portugal, nas reuniões, quer dos Conselhos JAI, quer, sobretudo, de Peritos,