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começámos a ver serem-nos levantadas dúvidas sobre se Portugal estaria, então, em condições de assegurar que cumpriria aquilo que tinha assinado há três anos, ou seja, a Convenção de Aplicação de Schengen.
Este, porventura, é o problema mais visível e aquele que mais interessa aos Srs. Deputados.
Por isso mesmo, em relação a essa Convenção Europeia, a que chamarei agora, por facilidade de exposição, a Convenção de Dublin, fizemos uma reserva, que vou ler a VV. Ex.as, que diz o seguinte: "Tendo formulado uma reserva à Convenção de Extradição de 1957,…" - que é a antiga convenção europeia de extradição - "… segundo a qual não concederá a extradição de pessoas reclamadas por um crime a que corresponde a uma pena ou uma medida de segurança com carácter perpétuo, Portugal declara que, nos casos em que o pedido de extradição se baseie numa infracção a que corresponde a tal pena ou medida de segurança, apenas concederá extradição respeitadas as disposições pertinentes da sua Constituição, conforme interpretadas pelo seu Tribunal Constitucional, se considerar suficientes as garantias prestadas pelo Estado-membro requerente de que aplicará, de acordo com a sua legislação e a sua prática em matéria de execução de penas, as medidas de alteração de que a pessoa reclamada possa beneficiar". Ou seja: tivemos de acrescentar nesta reserva uma referência à interpretação do Tribunal Constitucional acerca do texto constitucional.
Perante isto, todos os Estados da União Europeia, unanimemente, nos pediram que fizéssemos uma declaração adicional quanto aos compromissos que Portugal tinha assumido no quadro de outras convenções, o que fizemos, e reza assim: "Portugal reitera a validade dos compromissos subscritos nos acordos internacionais a que está vinculado e em particular com base no artigo 5.º da Convenção da Adesão de Portugal à Convenção de Aplicação de Schengen". Esta declaração justificou-se por se ter levantado, em muitos Estados, a dúvida sobre se Portugal, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional, estaria em condições de continuar a cumprir ou mesmo de cumprir a Convenção de Aplicação de Schengen.
Este é, portanto, o problema com que estamos confrontados, que é o problema da extradição para países da União Europeia no quadro dos acordos convencionais já assinados e ratificados por Portugal e dos assinados mas não ratificados, e que VV. Ex.as terão oportunidade de apreciar quando vos forem apresentados, e respeitam à última convenção de extradição, que é esta de que acabei de ler a reserva que fizemos.
Esta situação é complexa. E recordo o caso de um cidadão jugoslavo que foi condenado na Alemanha a uma pena de prisão perpétua e que, meses depois, foi encontrado em Portugal, que, não lhe tendo sido concedida a extradição - é o acórdão do Tribunal da Relação que já referi -, teve de ser solto. Este caso, como VV. Ex.as estarão, porventura, recordados, deu algum brado, sobretudo na Alemanha, e foi a partir daí que alguns jornais escreveram - o que é, manifestamente, falso - que Portugal se tornaria um asilo para criminosos na União Europeia. Obviamente que não se trata disso, mas, naturalmente, a imprensa de alguns países explorou essa situação.
Se os Srs. Deputados assim o entenderem, penso que a revisão constitucional poderia ser uma boa oportunidade para podermos clarificar as coisas, indo ao encontro daquilo que é a nossa tradição, a nossa cultura jurídica nesta matéria, ou seja, continuando a não admitir a extradição para países onde seja aplicada a pena de prisão perpétua, a não ser que nos sejam dadas garantias de que essa pena será comutada ou alterada para outro tipo de pena.
O segundo problema que se nos tem posto a propósito da extradição é o que se refere à extradição de cidadãos portugueses. Como sabem, consta do nosso texto constitucional a proibição de extradição de cidadãos portugueses.
Quais os fundamentos? E será que esses fundamentos se mantêm ainda na sua integralidade, face a um quadro novo de inserção de Portugal num espaço aberto sem fronteiras, na Europa?
Esta norma, tal como a interpreto, não tem a ver com direitos, liberdades e garantias, porque esses estão assegurados, na própria lei da extradição, por um conjunto de condições para que a ela se possa dar, e tem o seu fundamento, naturalmente, numa concepção do direito punitivo relativo aos nacionais que sejam encontrados no Estado de que são nacionais, independentemente do local da prática do crime.
Penso que é de perguntar se, neste momento, este princípio continuará num contexto novo de combate a formas de criminalidade altamente organizada e que obedecem, em muitos casos, a estratégias de dimensão internacional, europeia ou ainda mais ampla.
Será que esta norma dá resposta aos objectivos de responsabilização penal dos agentes de crimes? Refiro-me, em especial, àquilo que hoje se conhece pela criminalidade organizada, que engloba um conjunto de crimes: tráfico de estupefacientes, tráfico de pessoas, armas, corrupção e fraude, terrorismo, etc.
Penso que devemos ter em atenção - e deixo isto à consideração dos Srs. Deputados - um princípio, que é o princípio do exercício da competência pelo Estado que está em melhores condições para o exercício da acção penal em criminalidade deste tipo.
Trata-se, nestes casos - refiro-me sempre a estes casos de criminalidade organizada -, de processos que englobam, muitas vezes, cidadãos de vários Estados e redes que se entendem em vários países, podendo a recusa da extradição de nacionais colocar em causa o próprio poder punitivo.
Não me parece que seja suficiente, como alguns podem defender, o julgamento e condenação por cada Estado onde o agente do crime seja encontrado, visto que, como é sabido, nestes crimes que trazem consigo geralmente a associação criminosa - crimes organizados -, é importante, para várias matérias, mas sobretudo para a da matéria de prova, que o julgamento se efectue ao mesmo tempo e no mesmo local. Não chega julgar estas várias pessoas em vários países e em ocasiões diferentes, podendo até, em certos casos, violar-se com isso um princípio penal ne bis in idem, que também é aceite pelo nosso sistema jurídico.
Por outro lado, pergunto-me se este princípio da proibição da extradição de nacionais - que, diga-se de passagem, pelo menos um outro Estado da União Europeia, a Alemanha, também tem na sua Constituição, e talvez tenha sido essa Constituição que influenciou a portuguesa