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SEPARATA — NÚMERO 33

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trabalhadores/as, designadamente na conciliação da vida profissional e familiar penalizando, sobretudo, as

mulheres, conforme estudos avançados pela Comissão para Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE). Como

se assinala no Livro Verde sobre as Relações Laborais, «a forma usualmente considerada «típica» de prestar

trabalho, isto é, o cumprimento de um horário de trabalho sem recurso a qualquer modalidade flexível no que

concerne aos tempos de trabalho constitui, na verdade, uma realidade que apenas abrange cerca de 23,7% dos

trabalhadores por conta de outrem (TCO). Deste modo, aproximadamente 76,3% dos TCO encontram-se

abrangidos por uma modalidade flexível no que respeita à organização do tempo de trabalho».

De facto, desde 2003 que se tem vindo a acentuar esta tendência e a diversificar estes mecanismos de

desregulação do tempo de trabalho. O Código do Trabalho de 2009 introduziu, no artigo 208.º, um novo instituto

que se designou por banco de horas, através do qual, tal como na adaptabilidade, a organização do tempo de

trabalho pode ter em conta um tempo médio. Com o banco de horas consagrou-se, contudo, uma possibilidade

até aí inexistente de esse acréscimo poder ser compensado quer por redução equivalente do tempo de trabalho,

quer por pagamento em dinheiro, quer por ambas as modalidades, sendo certo que o pagamento em dinheiro é

feito como se de trabalho normal (e não trabalho suplementar) se tratasse. Ou seja, este foi objetivamente um

mecanismo de embaratecimento do trabalho. Se desde 2009 existe o banco de horas, a lei previa, contudo, que

este só podia ser introduzido por instrumento de regulamentação coletiva e relativamente a matérias específicas.

No entanto, a Lei n.º 23/2012 de 25 de junho introduziu uma nova modalidade de banco de horas: o banco de

horas individual, prevista no artigo 208.º-A do Código do Trabalho.

Tendo origem num projeto do Governo do PSD e do CDS-PP, a Lei n.º 23/2012, de 25 de junho que surgiu

na sequência do Memorando sobre as Condicionalidades de Política Económica, tinha uma pretensão clara de

diminuir o custo do trabalho, por via da eliminação de feriados, eliminação do descanso compensatório pela

prestação trabalho suplementar, eliminação de dias de férias, redução das compensações pela cessação do

contrato de trabalho e introdução de uma nova modalidade do despedimento por inadaptação sem modificação

do posto de trabalho. Uma das matérias em relação à qual esta lei assumiu especial enfoque foi a da

desregulação do tempo de trabalho.

A Lei n.º 23/2012 de 25 de junho foi mais longe, reduzindo as competências fiscalizadoras da ACT, desde

logo eliminando a obrigatoriedade de envio do mapa de horário de trabalho para a ACT por parte da entidade

empregadora. Não é despiciendo, de resto, que a alteração sistemática de mapas de horário de trabalho,

enquanto exercício do poder de direção da entidade de empregadora esteja, não raras vezes, relacionada com

outros comportamentos que configuram formas de assédio moral sobre os trabalhadores, mas que se têm

tornado mais difíceis de fiscalizar e de combater. De facto, sob o pretexto da desburocratização da fiscalização,

facilitou-se o abuso patronal.

Com a referida lei, acrescentou-se à modalidade de banco de horas previsto por instrumento de

regulamentação coletiva, o banco de horas individual e grupal Ou seja, o regime do banco de horas passou a

poder ser instituído por um acordo entre empregador e trabalhador (banco de horas individual), sendo possível

estender a figura da adaptabilidade individual ou do banco de horas individual a trabalhadores que

expressamente a recusaram, por via da adaptabilidade grupal e do banco de horas grupal.

A doutrina do Direito do Trabalho tem vindo inclusivamente suscitar o problema constitucionalidade do banco

de horas grupal, previsto no artigo 208.º-B do Código do Trabalho em virtude de o mesmo permitir o

estabelecimento, por decisão unilateral do empregador, de um banco de horas forçado.

O banco de horas em apreço pode ser imposto contra a vontade manifestada pelos trabalhadores que não o

aceitaram, sendo que a extensão do banco de horas, previsto em convenção coletiva de trabalho, por decisão

unilateral da entidade patronal, a trabalhadores não sindicalizados ou filiados em sindicato que não tenha

outorgado a convenção pode atentar contra princípio da liberdade sindical, consagrado na alínea b), do n.º 2 do

artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa.

Numa relação marcada pela desigualdade entre as partes, como é a relação laboral, o Direito do Trabalho

deve ter como objetivo tutelar e proteger a parte mais fraca num quadro de desequilíbrio de poder. A invocação,

neste contexto, da liberdade das partes, é apenas uma forma de mascarar mecanismos de imposição unilateral.

Assim, a figura do banco de horas grupal é uma figura perversa que põe em causa direitos individuais e coletivos,

pelo que não deve ter acolhimento no nosso ordenamento jurídico.