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SEPARATA — NÚMERO 60

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Pretende-se, todavia, que se estenda, tal como faz o Código Penal Espanhol, o assédio sexual às relações

laborais, docentes ou de prestação de serviços, não se limitando, evidentemente, o assédio sexual no trabalho

à existência ou não de um contrato de trabalho ou da existência de subordinação jurídica, bem como a

situações de trabalhadores e trabalhadores liberais e prestadores de serviços, e ainda nas relações de

docentes e alunos e alunas, chamando desta forma à colação a conhecida existência de assédio sexual nas

Universidades.

É de conhecimento público e patente no Relatório Anual de Segurança Interna de 2020 que os crimes

contra a liberdade a autodeterminação sexual afetam maioritariamente vítimas do sexo feminino. Todavia,

importa lembrar que a forma como são transmitidos os casos e percecionadas as vítimas condiciona, de

sobremaneira, as denúncias dos casos por vítimas do sexo masculino, uma vez que se as mulheres são

tratadas da forma como o são, como serão tratados os homens?

A violência de género, em todas as suas formas, tem vindo a ser uma preocupação reiterada do PAN,

tendo já defendido, no passado, que a legislação portuguesa se encontrava desajustada em matéria de crimes

sexuais e que era premente a adequação da lei nacional ao disposto na Convenção de Istambul, ratificada por

Portugal em 2013. Para o efeito, o PAN elaborou um projeto de lei para alterar o Código Penal (Projeto de Lei n.º 1047/XIII/4.ª)para que o sexo sem consentimento fosse considerado crime de violação, endurecendo a moldura penal para que os violadores cumpram pena de prisão efetiva e ainda para que a coação sexual e a

violação se tornassem crimes públicos, ou seja, não dependentes de queixa das vítimas para que o processo

seja iniciado, à semelhança do que já acontece para crimes como a violência doméstica.

O constrangimento causado pelo crime na vítima, o receio de voltar a enfrentar o agressor, a exposição

pública da sua intimidade perante as autoridades públicas e policiais e o receio da revitimização associada ao

processo, levam a que, nestes casos, as vítimas acabem por optar pelo silêncio e impunibilidade do agressor à

denúncia do crime e impulso do processo penal.

Entende-se que a atribuição de natureza pública aos crimes sexuais, no presente caso, o crime de assédio

sexual, reforça a proteção da vítima e contribui para a redução deste tipo de crimes.

Relembre-se que o processo penal acarreta aspetos negativos com forte impacto psicológico que não

devem ser ignorados, dos quais se destaca a sujeição da vítima a um penoso processo de revitimização.

Assim, qualquer alteração legal que atribua natureza pública aos crimes contra a liberdade sexual deverá

evitar cair no erro de fazer prevalecer cegamente o interesse comunitário na persecução penal sobre a

vontade da vítima, levando em conta em conta estes aspetos negativos associados ao procedimento criminal e

prever, conforme defende a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima1 (APAV), uma válvula de escape,

através da qual se possa dar voz à vítima e valorar a sua vontade.

Tendo em conta o anteriormente exposto e a necessidade de assegurar o pleno cumprimento da

Convenção de Istambul, o PAN, propôs que todos os crimes contra a liberdade sexual, à exceção do crime de

importunação sexual de pessoas maiores de idade, passem a ter a natureza pública, e desta feita, o crime de

assédio sexual, prevendo-se, contudo e em linha com o que defendeu a APAV, que nos procedimentos

iniciados pelo Ministério Público relativamente estes crimes contra pessoas maiores de idade, a vítima possa,

a todo o tempo, requerer o arquivamento do processo e que tal requerimento só possa ser recusado pelo

Ministério Público quando, de forma fundamentada, se considere que o prosseguimento da ação penal é o

mais adequado à defesa do interesse da vítima e que o pedido se deveu a qualquer tipo de condicionamento

por parte do arguido ou de terceiro, caso em que deverá promover sempre a aplicação das medidas

necessárias à sua proteção contra eventuais retaliações.

O PAN considerou ainda de grande importância, em iniciativa anterior, a revogação dos artigos 165.º e

166.º do Código Penal, concernentes aos crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e abuso

sexual de pessoa internada, dado entender que estes devem ser integrados nos crimes de coação sexual e

violação, passando a revestir o fundamento de circunstâncias agravantes, uma vez que se reportam a

situações de pessoas com especial vulnerabilidade, onde a reprovação social e legislativa se deve revestir de

maior intensidade.

Desta forma, pretende o PAN promover uma alteração de paradigma intrínseco e crónico da culpabilização

da vítima, que muitas vezes se verifica na forma como são apresentados ou comentados os casos, tanto na

comunicação social como na própria lei ou jurisprudência.

1 APAV (2018), Contributo da APAV referente ao Projeto de Lei n.º 1047/XIII/4.ª (PAN), página 10.