2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Presidente: - Não estando presentes os srs. ministros das obras publicas, fazenda e remo, a quem foram dirigidos os primeiros avisos previos, vou conceder a palavra ao sr. João Franco, por estar presente o sr. ministro dos estrangeiros, a quem é dirigido o aviso previo assignado por s. exa.
O sr. João Franco: - Sr. presidente, não era meu intuito voltar a referir-me ao assumpto que n'uma das ultimas sessões aqui levantei, dirigindo ao mesmo tempo ao sr. ministro dos negocios estrangeiros algumas perguntas. Sei muito bem que ha assumptos que pela sua natureza especial e melindrosa, não se recommendam como proprios a prolongar debates parlamentares, estando n'este caso aquelles que, ainda quando não tenham um exclusivo caracter internacional, podem no emtanto referir-se a qualquer nação estrangeira.
Sei tambem, sr. presidente, qual foi o intuito com que dirigi as perguntas ao sr. ministro dos estrangeiros, que já agora constam, como era meu desejo que constassem, dos annaes parlamentares Todos temos conhecimento da maneira como s. exa. se dignou responder-me, e portanto o meu fim não é dirigir aggressões ao governo em mateira d'esta ordem ou natureza; não é declamar uma objurgatoria patriotica, tão facil do fazer como inutil e desnecessaria: é formular o aviso que vem do pleno conhecimento da situarão que o para atravessa, aviso feito aos srs. deputados da nação e, pela publicidade que as sessões d'esta camara revestem, a todos os cidadãos, desde o primeiro, o mais altamente collocado na escala social, até ao ultimo, o que mais seja desventurado da sorte. (Apoiados.)
O aviso resulta por ai mesmo nitidamente, da maneira como o sr. ministro dos estrangeiros se dignou responder-me.
Não é precisa nem mais clara nem mais eloquente resposta para quem, interessando-se pelos mais altos interesses e negocios do paiz, queira saber pela lição do presente corrigir a preadivinhar o futuro. (Apoiados.)
Sr. presidente, não foi, pois, o intuito que eu acabo de declarar o affirmar que seria improprio e inconveniente, que me levou a usar novamente da palavra para responder ao sr. ministro, que lauto saiu fora da sua habitual serenidade o nunca desmentida cortezia e delicadeza parlamentar, com um accentuado - não - ao pedido que lhe fiz de licença para o interromper. (Apoiados.)
Mas quando o sr. Beirão, ministro dos negocios estrangeiros, esquecido do que deve a si, como o mais antigo, o mais experimentado, e incontestavelmente um dos mais distinctos parlamentares d'esta casa do parlamento, (Apoiados.) e do que deve áquella discrição que e propria de quem tem responsabilidades officiaes, como as que impendem sobre s. exa., lavra censuras nas respostas que, sobre assumptos administrativos e diplomaticos, dá ás perguntas dirigidas pelos deputados da opposição, fazendo retaliações e dirigindo provocações, s. exa. toma a responsabilidade de só tornar acceso e demorado o debate que nem elle, Sem o parlamento, nem o paiz têem interesse algum em ver tomar essa direcção ou orientação. (Apoiados.)
Assim aconteceu quando o sr. Beirão, respondeu ao eloquentissimo discurso, como são todos os proferidos pelo meu amigo e distincto parlamentar o sr. João Arrojo, (Apoiadas.) sobre a inanidade e mysterio da politica diplomatica do actual governo. Com effeito, s. exa. não se contentou, como ora seu direito e obrigação, em mostrar, se o podia fazer, quaes os resultados obtidos pela diplomacia portugueza durante os tres annos de administração que já conta a actual situação politica; passou tudo isso em silencio, não dizendo cousa alguma, o dirigiu-se por uma forma indirecta ao partido regenerador, á ultima administração de que tive a honra de fazer parte, para a accusar de ter cedido diante de pressões, de se ler curvado ante exigencias, como se isso representasse alguma cousa de maio perigoso e mais prejudicial ao paiz do que os resultados colhidos pela administração diplomatica da actual situação politica. (Apoiados.)
Sr. presidente, um parlamentar da estatura e elevação do sr. ministro dos negocios estrangeiros não precisa, para se defender, de ir até ao arsenal velho e antigo das retaliações o precedentes politicos e parlamentares para justificar aquillo que não póde ter justificação positiva e para incriminar os seus adversarios politicos.
Mas se mais do uma vez tenho visto empregar esse processo de combate por parte dos membros da camara, e tenho escutado e ouvido em silencio essas retaliações e recriminações muitas vezes falsas ou de falseados precedentes, aos membros do governo não tenho consentido nem consentirei o emprego d'esse processo. Em primeiro logar, porque sobre elles pesa uma responsabilidade superior á de qualquer dos membros d'esta camara, e em segundo logar, o principalmente, porque nos ministros se póde suppor conhecimento de factos e de cousas que os habilitem a dar ás suas palavras uma auctoridade e firmeza que faltam á palavra de qualquer de nós. (Apoiados.)
Sr. presidente, é não só o meu timbre de deputado e de homem, mas é o meu habito e systema parlamentar, não negar nem contrariar os factos n'aquillo que têem de verdadeiros.
Não ha sophismas por mais babeis que sejam, não ha negações por mais eloquentemente desenvolvidas e preparadas que ellas possam ser, que n'um pequeno paiz como o nosso, em que todos nos conhecemos, e em que todas as cousas são do conhecimento de toda a gente, possam deixar a impressão de que é falso aquillo que tem uma existencia real, como tambem não ha calumnias, recriminações, nem violencias de linguagem, que possam fazer acreditar que é verdadeiro aquillo que repousa sobre uma base inteiramente falsa. (Apoiados.)
A administração politica de que eu fiz parte durante quatro annos, teve por vezes horas bem amargas em assumptos de natureza internacional.
Sobre factos d'esta natureza nem ninguem ganha em demorar as discussões e supposições dos seus motivos, e portanto, sem descer á analyse de cada um d'estes factos, limitar-me-hei a dizer o que não póde ser contestado, e é que quando essa situação politica deixou as cadeiras do poder, nenhum incidente diplomatico havia pendente (Apoiados.) que podesse inquietar ou sobresaltar a attenção do paiz, ou que podesse por qualquer forma tirar o somno aos ministros que lhe succederam, embaraçai-os de qualquer maneira na sua administração ou mesmo na orientação que entendessem e quizessem dar á politica diplomatica. (Apoiados.)
Se tivemos horas amargas, fomos nós que com ellas soffremos; se por vezes tivemos de nos curvar, verbo que o sr. ministro dos negocios estrangeiros n'aquella cadeira e com áquella pasta entendeu dever usar, outras nações mais fortes e poderosas o têem feito, e repito, fizemol-o por vezes em liquidação de responsabilidades que encontrámos, e não deixámos aos nossos successores uma unica para liquidar. (Apoiados.)
Oxalá todos podessemos dizer o mesmo; infelizmente a primeira vez que tive a honra de entrar nos conselhos da corôa, a grande questão que impendia sobre o governo de que eu fazia parte, que lhe amargurava a existencia, perturbava o paiz, e que foi o principal factor do nosso desastre financeiro, foi uma questão que vinha recente do tempo da administração progressista, de que fazia parte o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros. (Apoiados.) Essa herança, sr. presidente, ou outra similhante é que nós não deixámos á actual situação politica, (Apoiados.) e o principal timbre dos homens publicos deve ser o de resolver as dificuldades e não o de as adiar, procurando deixar aos seus successoros quanto possivel circumstancias e meios para dar ao governo o estudo e a orientação que julgar mais convenientes. Isto posso dizer da ultima situa-